O senador José Serra (PSDB-SP) estuda a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para retirar as regras eleitorais hoje presentes na Lei Superior. A ideia de facilitar mudanças através de leis ordinárias é, entretanto, criticada por estudiosos do assunto consultados pelo Brasil de Fato.
Serra apresentou a ideia no jantar de aniversário de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Também estavam presentes no evento outros parlamentares e o próprio presidente não eleito, Michel Temer (PMDB).
Mendes, por sua posição no TSE, deve analisar o processo de cassação da chapa composta por Dilma Rousseff (PT) e Temer.
Os debates incluíram a possibilidade de uso do fundo partidário em campanhas eleitorais, bem como a instituição de listas fechadas para eleições para o Parlamento.
O jantar ocorreu um dia após Rodrigo Janot encaminhar ao Supremo uma lista de pedidos de abertura de inquérito contra políticos. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), assim como o senador Aécio Neves (PSDB-MG), incluídos na lista, estavam presentes.
Mudanças
A questão da lista fechada, bem como do uso do fundo, não necessitam de mudanças constitucionais. Serra, entretanto, é defensor de mudanças mais profundas, como a adoção do parlamentarismo - antiga bandeira do PSDB - e do voto distrital misto. A retirada destas questões do texto constitucional tornaria mais flexíveis os critérios de votação no Congresso para realizar tais modificações.
José Antonio Moroni, integrante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (IES), discorda que as mudanças discutidas possam realmente melhorar a política brasileira.
“Esse Congresso - não só ele, a própria proposta é fruto de uma articulação dos três Poderes - não tem legitimidade, hoje, para propor uma reforma nesse sentido”, diz. “É uma questão de legitimidade, mesmo. Independentemente das propostas que venham a ser votadas pelo Parlamento, há um problema de origem”.
Para Moroni, qual seria esse vício de origem? "O atual sistema político não tem legitimidade por uma série de fatores. O motivo que leva a essa proposição não é o enfrentamento do déficit democrático, da subrepresentação de diversos setores - mulheres, negros, indígenas, da classe trabalhadora. É unicamente para que os que estão no poder lá continuem. É reformar para não mudar. Para que, nas eleições de 2018, o mesmo grupo se perpetue", explica. "Estão pegando propostas como financiamento público, lista fechada - coisas que defendemos - com um objetivo totalmente diferente da sociedade civil".
Alessandro Soares, professor de Direito do Mackenzie, vai no mesmo sentido. Segundo ele, discussões “às portas fechadas” podem adicionar “combustível para a crise” pelo qual o país passa.
“Do ponto de vista político, à medida que você tem um presidente da República que não tem o aval direto do voto popular, uma crise política, social e econômica, todo mundo vai buscar saídas de emergência. Acho que, antes de tudo, é preciso recuperar a legitimidade do governo democrático”, aponta.
Em relação à ideia de Serra, Soares indica estranhamento também do ponto de vista jurídico.
“As Constituições normalmente têm dois campos, uma divisão clássica. Primeiro o dogmático: princípios, direitos e garantias fundamentais. De outro lado, há uma parte orgânica, que define a organização do poder e como, inclusive, se tem acesso aos cargos de poder”, contextualiza. “Eu não sei como o senador Serra pretende propor isso, mas, do ponto de vista geral, pode ser um problema”, opina.
A razão disso, é a estabilidade trazida pela Constituição a temas fundamentais do Estado. "Por estar no texto constitucional, é mais difícil alterar, já que há a exigência de quórum qualificado, o que não há na legislação ordinária. É uma proteção especial. Uma Corte Constitucional, como o STF, só pode decidir conflitos a respeito de eleições e disputas políticas porque há na Constituição um elemento central a respeito desses assuntos”, argumenta.
Uma “reforma” política, de acordo com Soares, pode, na verdade, debilitar ainda mais o funcionamento da política brasileira. “Retirar alguns elementos, reforçando o poder constituinte derivado - os legisladores atuais -, não necessariamente é uma saída política razoável, na medida em que um conjunto de reformas já poderiam ter sido traçadas pelo Legislativo, e não se fez isso [historicamente]. Há uma resistência empírica [por parte dos legisladores]. Pode-se reforçar os defeitos de nosso sistema político”, prevê.
Edição: Camila Rodrigues da Silva