EDUCAÇÃO

Secretário de Educação do Rio quer blindar escolas na favela da Maré

Pelo menos oito escolas podem ser blindadas pela Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Lazer

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Estudantes e professores sofrem com rotina de violência da favela da Maré
Estudantes e professores sofrem com rotina de violência da favela da Maré - Foto: ONG Rioonwatch

O novo secretário municipal de Educação, Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, César Benjamin, nomeado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB), quer blindar oito escolas da Maré, usando um material mais resistente nas paredes. A informação foi divulgada pela imprensa e gerou polêmica. A assessoria de imprensa da secretaria, que confirmou a informação. “O Grupo de Trabalho criado pela Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Lazer apontou a necessidade urgente de ‘blindar’ oito escolas que ficam na área de fronteira (a chamada Faixa de Gaza), substituindo as paredes chamadas de ‘peneiras’ por um tipo especial de argamassa resistente a projéteis”, disse a secretaria em nota.

A iniciativa divide opiniões e o Brasil de Fato ouviu alguns moradores do bairro para saber o que eles pensam sobre o tema.

A professora de uma escola municipal da Maré disse que a informação parecia tão absurda que em um primeiro momento não acreditou. “Li na imprensa, mas achei que tinha entendido mal, porque me pareceu tão absurdo, que pensei: não pode ser verdade”, disse Claudia Ribeiro.

Para a vereadora do Rio, Marielle Franco (Psol), a iniciativa de blindar escolas não resolve o problema da violência. "Os impactos da rotina de violência a que estão submetidas as crianças e a comunidade escolar na Maré, não serão resolvidos com a blindagem das escolas. O poder público, estadual e municipal, deveria agir junto para uma solução que não naturalize, por exemplo, as incursões em horário escolar. Essas operações policiais expõem toda a comunidade escolar e os moradores locais. Não há solução simples para um problema tão complexo", explica a vereadora.

Além de ser um território de disputa entre as grandes facções criminosas, a Maré é alvo de frequentes operações militares por parte do governo estadual do Rio de Janeiro, justamente por estar localizada à margem da via de acesso ao aeroporto internacional Galeão.

As incursões violentas da PM, as invasões às casas de moradores e a truculência de policiais militares parece aterrorizar ainda mais que a guerra entre facções. “Tem muito mais tiros quando o Estado se faz presente através da policia Militar”, afirma o fotógrafo Bira Carvalho, conhecido por seu trabalho profissional atrás das lentes. Ele afirma ainda que escolas da Maré precisam de manutenção e reforma em geral, não só blindagem. “Tem escolas com vestiário interditado há 7 anos. Tem que ver as salas de aula como estão. Então, de modo geral as escolas da Maré precisam mais do que blindagem”, destaca o morador.

A Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Lazer explica que as escolas a serem blindadas são novas e foram inauguradas recentemente pelo ex-prefeito Eduardo Paes. As paredes foram construídas com um material frágil, o que facilitaria a perfuração de balas, explica assessoria de Cesar Benjamin. “As 8 novas escolas ficam na linha de tiro foram construídas em drywall (tecnologia que substitui paredes, tetos e revestimentos por chapas de gesso aparafusadas em estruturas de aço). Resultado: viraram peneiras com os tiros”, informou a Secretaria Municipal.

A líder comunitária Eliane Silva, integrante da ONG Redes da Maré, diz que iniciativa pode ser uma medida de contenção de danos do conflito e proteger vidas. "Mais do uma blindagem no sentido real, estou entendendo que o secretário está falando de um cimento que é mais forte e mais compatível com a realidade da Maré. Não que ele esteja querendo colocar, como em um carro um vidro blindado, e aí deixar as coisas acontecerem lá fora. A ideia é realmente melhorar a estrutura física das escolas para comportar determinadas situações e proteger as crianças e os profissionais. As paredes são muito finas e precisam desse suporte”, destaca Eliane Silva.

A líder comunitária explica que há vários tipos de violência na Maré e que a primeira delas é que o Estado não garante ao morador o direito à segurança pública. “Não existe na Maré, e em geral em outras favelas, o direto à segurança pública. Esse conceito de segurança pública existe na cidade, mas dentro da Maré essa noção de direito não existe. Por isso na Maré existem grupos armados, que criam situações de violência que limitam o direito do morador. É impensável ver civis armados nas ruas do Leblon, mas na Maré isso é visto com naturalidade”, ressalta a integrante Redes da Maré.

A Maré é uma das maiores e mais conflituosas favelas do Rio de Janeiro, onde trabalhadores e estudantes sofrem diariamente as limitações impostas pela situação de medo e violência, que chega tanto por facções criminosas, quanto pelo Estado, através da polícia.

Em geral, moradores de um determinado lugar dominado por uma facção não passam para outro. Das 45 escolas existentes no bairro, pelo menos dez ficam no que os moradores chamam de "fronteira", onde as facções dividem o território.

Edição: Vivian Virissimo