Indígenas

Território Guarani do Oeste do Paraná deveria dobrar de tamanho, aponta laudo

Aumento do território é a principal demanda dos Guarani. Estudo é de 2006, mas não havia sido apresentado aos indígenas

Brasil de Fato | Santa Helena (PR) |
"Ouvimos tanto ‘juruá’ (não-indígena) falar que já temos muita terra, e esse documento mostra o quanto isso é uma mentira”, diz cacique
"Ouvimos tanto ‘juruá’ (não-indígena) falar que já temos muita terra, e esse documento mostra o quanto isso é uma mentira”, diz cacique - Paulo Porto

Lideranças Guarani do Oeste do Paraná tiveram acesso recentemente a um estudo antropológico que confirma a reivindicação do aumento do território das comunidades indígenas. O estudo apontada a necessidade de uma extensão de terras de pelo menos 10 mil hectares como espaço para garantia do bem estar às comunidades que vivem a região.

Estima-se que cerca de 3,8 mil Guarani habitem a região Oeste do Paraná, sendo 1,2 mil deles em três áreas demarcadas de 2,8 mil hectares, e outros 2,6 mil subdivididos em pequenas ocupações na extensão dos municípios de Guaíra, Terra Roxa e Santa Helena. 

Apesar de elaborado ainda 2006, os principais interessados até então não tinham tido acesso ao documento. O estudo é assinado pelo antropólogo Rubem Tomaz de Almeida, que, ao longo de 75 páginas, descreve a situação dos Ava-Guarani e Guarani-Mbya relacionados aos territórios Jakutinga/Okoy e dos Ñandéva de Guaíra; no extremo oeste do Estado. O estudo refere-se às extensões que faziam parte de terras tradicionais indígenas alagadas com a criação do Parque Nacional do Iguaçu e o alagamento para a formação do Lago e da Usina de Itaipu Binacional.

“Ficamos tanto tempo sem saber desse estudo, que diz respeito a gente, ao novo povo. Ouvimos tanto ‘juruá’ (não-indígena) falar que já temos muita terra, e esse documento mostra o quanto isso é uma mentira”, aponta o cacique Claudio Vogado.

As lideranças indígenas lamentam o fato de o relatório ter sido negligenciado dos Guarani durante tanto tempo, pois poderia ter servido como base para questão fundiária na região. “Ficamos tanto tempo sem saber desse estudo, que diz respeito a gente, ao novo povo. Ouvimos tanto ‘juruá’ (não-indígena) falar que já temos muita terra, e esse documento mostra o quanto isso é uma mentira”, aponta o cacique Claudio Vogado.

O documento aponta cálculos aproximados sobre o que seria a necessidade efetiva de terras para contemplar a população indígena, levando em conta a organização social, formas contemporâneas de organização econômica e atendendo os requisitos necessários para o seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural.

São feitas considerações sobre a dimensão da terra, levando-se em conta maior ou menor equilíbrio entre o número de habitantes e espaço disponível para a realização de sua vida social. “(...) tomando em conta, porém, o crescimento vegetativo, casamentos estabelecidos entre as famílias de diferentes tekoha e o desdobramento das famílias extensas, constata-se a necessidade de área maior, talvez alcançando as 10.000ha como espaço mínimo para garantir o abrigo à totalidade das famílias Guarani da região aqui focada para as próximas duas ou três gerações – numa estimativa arriscada, já que o ideal seria um espaço exclusivo maior”, aponta o estudo.

Território tradicional 

Para Clóvis Brighenti, historiador e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), o laudo é mais uma comprovação de que a região Oeste do Paraná foi predominantemente um território tradicional Guarani.

“Há todo momento aparecem documentos históricos demonstrando isso. Mas, nos últimos 60 anos houve uma dispersão muito grande dessa população, fruto de pressões exercidas pela colonização na região. Em que os Guarani, não foram contemplados, pelo contrário, foram usados como mão de obra barata, depois eram dispensados e expostos às vulnerabilidades sociais”, afirma Brighenti, que também é integrante da regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Para o professor, a preservação da cultura é fundamental. “A cultura sem a terra não existe, por isso a maior preocupação é que os Guarani possam cada vez mais se fortalecer em seu universo sociocultural, passando por essas questões latifundiárias sem serem negligenciados em programas sociais ou em outras questões de interesse da comunidade”, destaca.

O professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e vereador de Cascavel, Paulo Porto, acredita que o documento possa pautar a luta dessas comunidades tradicionais. “Tudo indica que o laudo era de conhecimento da Itaipu, porém nunca foi oficialmente divulgado junto às lideranças Guarani. Acredito que ele possa pautar as reivindicações dessas comunidades junto à nova diretoria da Binacional e que ela realmente reconheça esta dívida histórica”.

Retomada 
Desde o fim de janeiro, 10 famílias indígenas Ava-Guarani ocupam parte de um antigo tekoha – terra indígena tradicional –, localizado às margens do lago de Itaipu, no município de Santa Helena. O território é chamado por eles de Tekoha Dois Irmãos e foi uma aldeia até os anos 1980, quando foi alagado pelo represamento do Rio Paraná com construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional.

Eles ocupam perto de 400 hectares de um refúgio biológico da Itaipu, que totaliza cerca 1,4 mil hectares. Para as lideranças Guarani, a retomada deste território é um ato simbólico diante da dívida histórica que a Itaipu Binacional tem com os povos indígenas na região, além de simbolizar a resistência à atual conjuntura nacional de precarização de políticas indigenistas.

Estima-se que na região da usina existiam ao menos 32 aldeias, conforme estudos da antropóloga Malu Brant. Elas desapareceram entre 1940 e 1982, período entre a criação do Parque Nacional do Iguaçu e o alagamento para formação do lago de Itaipu. Pelo menos nove dessas aldeias foram alagadas com a construção, de acordo com levantamento feito pela estudiosa a pedido da Justiça Federal de Foz do Iguaçu.

Durante a construção de Itaipu, na época da ditadura militar, não havia qualquer diálogo entre a usina e o antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) – hoje Funai – Fundação Nacional do Índio - com as comunidades tradicionais. Essa população foi desconsiderada na época e posteriormente passaram a retomar seus territórios.

Edição: Ednubia Ghisi