A ONG Repórter Brasil divulgou no último dia 14 a lista suja do trabalho escravo no Brasil. O documento foi tornado público após uma solicitação feita via Lei de Acesso à Informação e contém 250 estabelecimentos que sujeitaram pessoas ao trabalho em condição análoga à escravidão. Entre os nomes está o de Nelson Luís Slaviero, familiar do vice-prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel Slaviero.
A Fazenda Planalto, em Guaraniaçu, região Oeste do Paraná, tem o empresário como responsável e, segundo a lista, colocou 19 trabalhadores nesta situação. Slaviero foi preso em maio do ano passado após o flagrante e segundo reportagens da época pagou R$ 400 mil em fiança para ser liberado. Ele também aparece em publicações como diretor de uma rede de concessionárias de automóveis que tem o pai do vice-prefeito como um dos sócios. Nelson Luís Slaviero aparece como um dos doadores da campanha que elegeu Eduardo na chapa encabeçada pelo prefeito Rafael Greca (PMN).
O professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Oliveira, autor do livros “O Silêncio dos Vencedores”, que aponta como as oligarquias políticas no Estado estão perpetuando-se no poder ao longo de gerações e “Na Teia do Nepotismo”, que explica o funcionamento das nomeações em cargos públicos, vê ligações entre o trabalho análogo à escravidão e constituição do poder por intermédio das famílias tradicionais.
“Muitas destas famílias, hoje ricas e poderosas, têm raízes nas questões agrárias do passado. A família Slaviero ainda é ligada a imigração italiana, mas muitas famílias do Paraná tem origem nas antigas sesmarias do período escravocrata do século XIX. Muitas vezes as origens da riqueza e do poder também partem de formas de exclusão social no passado, seja em relação aos índios, africanos ou trabalhadores. Depois, nas últimas décadas, a camponeses ou trabalhadores sub-remunerados e sem direitos sociais. Há conexão direta em muitos casos”, explica o professor que estuda o tema há mais de 20 anos.
De acordo com ele, são mais de 60 famílias oligárquicas no Paraná que detém o controle do Estado, sempre utilizando-o como mecanismo poder e influência. “Elas representam a elite política do poder no Paraná. Com essa conexão, para um família empresarial se destacar tem que ter um vínculo no Estado, por isso o conceito sociológico de classe dominante. A história da grande mídia no Brasil e no Paraná, por exemplo, é uma história de apoio político para construção destas grandes empresas midiáticas”, avalia Oliveira.
O professor cita como exemplo o governador, Beto Richa, o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, e até o atual prefeito de Curitiba, Rafael Greca de Macedo. “Ele pertence a uma das mais antigas oligarquias do Paraná, antes mesmo da emancipação do Estado. Você vai encontrar indivíduos deste grande clã desde o período da erva-mate. O primeiro prefeito do século XIX era Borges de Macedo, parente dele. O vice-prefeito é neto do ex-governador Paulo Pimentel e parte dessa família empresarial (Slaviero)”, comentou.
Lista Suja
Além da fazenda do familiar do vice-prefeito, outras sete fazendas do Paraná aparecem na lista suja do trabalho escravo. A campeã local foi a Sabarálcool, de Engenheiro Beltrão, flagrada com 92 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Na sequência a Fazenda Planalto, de Nelson Luís Slaviero, com 19 trabalhadores, e a Fazenda Ribeirão, em Campina Grande do Sul, com 14.
A lista não estava disponível para o grande o público devido a uma série de disputas judiciais. O último capítulo da novela foi a suspensão de uma decisão do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, que proibiu sua divulgação ao atender um pedido do Governo Federal.
A reviravolta, contudo, aconteceu dentro da própria corte trabalhista após pedido do Ministério Público do Trabalho. A decisão foi do ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, que no dia 14 de março decidiu pela divulgação do documento. "Defiro, parcialmente, a liminar requerida pelo Ministério Público do Trabalho para tornar sem efeito, no momento, a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho", diz trecho da decisão de Pereira.
Entre outras coisas, o índice serve como base para que empresas e bancos públicos possam negar empréstimos e outros tipos de negócios com empresários que usem mão de obra análoga à escravidão; além, é claro, de tornar públicas ações que ferem a dignidade humana.
Silêncio
A reportagem procurou a Secretaria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba para tentar ouvir o vice-prefeito Eduardo Pimentel Slaviero. O órgão solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail. A mensagem foi enviada ainda no mesmo dia do contato (16) e questionou qual era o grau de parentesco do vice com Nelson Luís Slaviero, bem como se existia algum tipo de constrangimento por parte de Eduardo em ter um parente na lista suja do trabalho escravo ou por ter recebido doações de campanha de alguém que está nessa lista. Embora tenha sido acusada a chegada do e-mail com os questionamentos, até às 9h30 desta terça-feira (28) nenhuma resposta chegou à reportagem.
O artigo científico “Família Slaviero: uma história de grandes conquistas”, publicado na Revista do Núcleo de Estudos Paranaenses, na edição de maio de 2016, pela professora adjunta da UTFPR Mônica Helena Harrich Silva Goulart, aponta relação familiar entre o vice-prefeito e o empresário.
A reportagem também tentou ouvir a posição de Nelson Luís Slaviero. Também no dia 16 de março foi realizado contato com a assessoria de comunicação do Grupo Slaviero. As perguntas que foram encaminhadas questionavam a posição do empresário com relação à lista suja e se a presença dele era correta ou não. Outras perguntas diziam respeito a quais medidas foram ou poderiam ser tomadas para melhorar as condições de trabalho das pessoas na Fazenda Planalto.
A empresa informou que prestava serviços ao Grupo Slaviero e não particularmente ao empresário, mas que encaminharia as perguntas e pediu prazo até o dia 20 de março para dar uma posição oficial. Contudo, até o fechamento da reportagem nenhuma resposta foi encaminhada.
Edição: Ednubia Ghisi