A importância da Previdência Social para a macroeconomia brasileira foi um dos destaques da comissão da reforma da Previdência nesta quarta-feira (29) na Câmara Federal, onde tramita atualmente a proposta. O aspecto foi levantado pelo economista político Márcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Convidado pelo colegiado para debater o tema em audiência pública, Pochmann ressaltou que a Previdência é um grande motor da economia brasileira. Ele destacou que, para cada R$ 10 que circulam no país, R$ 4 advêm de fontes previdenciárias. Isso porque a renda distribuída através de aposentadorias e de outros benefícios se converte em consumo, impactando nos comércios locais e na atividade econômica de modo geral.
“Do contrário, não apenas teríamos esse impacto inexistente como também as pessoas que hoje são inativas e vivem do benefício estariam no mercado de trabalho disputando uma vaga. É por isso que temos que considerar os possíveis impactos dessa reforma”, pontuou o economista, acrescentando que a reforma tende a provocar um retrocesso não só no sistema de seguridade social, mas também na macroeconomia do país.
Seguindo essa linha de raciocínio, Pochmann alertou que uma eventual aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 – que institui a reforma – provocaria um crescimento de 15% da força de trabalho, representando um contingente de cerca de 12 milhões de pessoas passando a buscar no mercado uma fonte de renda por não poderem receber benefícios previdenciários.
Na prática, haverá mais pessoas disputando as mesmas vagas, o que resultará em queda dos salários. Como um efeito em cadeia, esse movimento tende a repercutir negativamente no fluxo de caixa da Previdência, uma vez que rendimentos menores resultam em contribuições igualmente pequenas junto ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
“Se é verdade que, ao reduzir o sistema de seguridade social, nós desestimularemos as pessoas a terem acesso à contribuição e faremos com que mais gente ingresse no mercado de trabalho, o desemprego que temos hoje, que é de 13% da população, pode ir para 25%. E aí, aquilo que queremos enfrentar, que é a perda de receita da Previdência, pode acelerar ainda mais”, sublinhou Pochmann.
Ele projetou ainda que, no cenário que se anuncia, a Previdência pode perder entre 7 e 8% de arrecadação.
Desigualdade regional
Durante sua exposição, Márcio Pochmann também abordou a possibilidade de a reforma da Previdência agravar as assimetrias regionais existentes no país.
Ele destacou que, numa escala de 0 a 1 (do menos para o mais desigual), o Brasil apresenta uma nota de 0,9 quando se considera a desigualdade entre os municípios do ponto de vista do Produto Interno Bruto (PIB). A mensuração é feita pelo chamado “índice de Gini”, importante instrumento utilizado por economistas e por organismos internacionais para medir o grau de concentração de renda de um determinado grupo.
Segundo ele, o Brasil tem 1.400 cidades apresentando um decréscimo da população, o que impacta na redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Cerca de 40% das cidades dependem de transferências governamentais. O FPM e as receitas previdenciárias são os principais indutores das economias das cidades de menor porte.
Numa análise dinâmica dos impactos da PEC 287, Pochmann explicou que a reforma anuncia uma piora no índice de Gini para o Brasil porque ela tende a prejudicar as economias locais, sufocando os pequenos municípios e aumentando o fosso entre eles e as cidades mais desenvolvidas.
“Além disso, a redução dos recursos por parte da Previdência vai consolidar as cidades-fantasma no Brasil, que serão os municípios sem atividade econômica”, assinalou o economista.
Ele acrescentou que estudos desenvolvidos pelo Ipea mostram que cada real gasto pela Previdência Social tem um impacto de R$ 2 na atividade econômica do país. “A Previdência tem um efeito multiplicador, por isso também ela é tão relevante para a sociedade, diferentemente do que ocorre com o pagamento de juros, por exemplo, que tem um efeito divisor”, comparou.
Pochmann destacou ainda que, na história recente do país, o fluxo econômico nos circuitos de comercialização locais, motivado pelo gasto social, no qual se inclui a Previdência, permitiu uma redução da discrepância entre as diferentes regiões brasileiras.
“Nos anos 1990 e 2000, o país passou a ter uma outra dinâmica, com estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste apresentando um dinamismo superior a estados do Sudeste e do Sul. Houve, então, uma redução da desigualdade quando olhamos pros estados e regiões, e, nesse contexto, não se pode desconsiderar o papel do gasto social”, afirmou.
O ex-presidente do Ipea ressaltou ainda que cerca de 40% da economia dependem do gasto social. “Sendo assim, se queremos sair da recessão e voltar a ter crescimento sustentável, o corte de gasto social não só não vai ajudar como vai gerar efeito contrário”, finalizou o economista.
Edição: Camila Rodrigues da Silva