A Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro ainda não pagou os espetáculos, artistas e agentes culturais selecionados nos editais do Programa de Fomento às Artes, referente aos anos de 2016 e 2017. O pagamento deveria ter sido feito até o final do ano passado para que as atividades culturais contempladas fossem desenvolvidas ao longo deste ano. No entanto, com a mudança de gestão da prefeitura e da secretaria, que passou a ser administrada por Nilcemar Nogueira, não há previsão para cumprimento dos editais.
Em entrevista ao Globo, a nova secretária municipal de Cultura, neta do sambista Cartola, afirmou que não tem como garantir o pagamento aos contemplados pelo Programa de Fomento por conta da crise financeira. Além disso, também falou da necessidade de criar novos editais, mesmo que o anterior ainda não tenha sido quitado.
Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria da Secretaria Municipal de Cultura informou que "gestão passada avisou aos artistas e produtores que não haveria pagamento daquele fomento. Legalmente, a Prefeitura está desobrigada a pagar este edital. Mesmo assim, a atual secretária Municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, se dispôs a encontrar meios e mecanismos de pagar o fomento, entendendo a posição dos participantes. No entanto, o orçamento deste ano, aprovado pela gestão anterior, não conta com previsão para honrar este pagamento. A secretária abriu amplo diálogo com todas as categorias, em encontros setoriais, buscando o diálogo, a escuta e propostas para a pasta", disse a assessoria em nota.
O Programa de Fomento às Artes foi lançado em junho de 2016, pelo ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) e o então secretário municipal de Cultura, Junior Perim. Eles anunciaram um investimento de R$ 25 milhões para o fomento direto, via editais, que contemplariam projetos em 13 linhas de ação.
“No ano passado havia dinheiro para pagar, mas foram postergando até depois das eleições e acabaram não pagando. Acreditamos que como uma represália à candidatura fracassada de Pedro Paulo (candidato apoiado por Eduardo Paes). Foi vingança política. Agora, mesmo com a Nilcemar na secretaria, uma mulher de resistência, não conseguimos que os editais fossem pagos por conta dessa retórica da crise”, explica Adriana Schneider, professora do Curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em resposta ao posicionamento da Secretaria Municipal de Cultura, um grupo de artistas, formado pelos que foram contemplados pelos editais ou não, se uniu para construir um movimento de resistência. Para eles, a cultura precisa ser valorizada e não pode depender da boa vontade dos gestores ou ser usada para marketing político.
“Nos unimos via Facebook, quando fiz uma postagem perguntando quem havia recebido (do edital). A partir daí foram pipocando amigos e conhecidos para discutir o assunto. Então criamos um grupo de discussões online, que se une para uma série de atos de rua e ações online”, explica a atriz Lívia Paiva.
Uma dessas ações foi a construção de um abaixo assinado, disponibilizado na plataforma online do Avaaz, intitulado “Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro: contra a ameaça de calote na cultura”. A petição, criada há três semanas, tem quase 3 mil assinaturas.
Além disso, o grupo também tem organizado manifestações em frente ao Palácio da Cidade, em Botafogo. Segundo Lívia, no último ato, organizado no dia 24 de março, o subsecretário de Cultura, André Marini, recebeu uma comissão do movimento e argumentou que o Programa de Fomento será pago em algum momento.
A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura informou ao Brasil de Fato que estão trabalhando para lançar um novo fomento, desta vez indireto, via Lei do ISS (renúncia fiscal), num total de R$ 57 milhões. "Vamos antecipar R$ 20 milhões agora em abril e o restante em cotas durante o ano. Neste programa, contemplaremos 223 projetos culturais, oriundos de todas as regiões da cidade", disse a assessoria em nota.
“A cultura está sendo tratada como escambo e aplauso. Isso é muito perigoso. Crivella já mostrou que sua concepção sobre cultura é como acessório, ele não enxerga a sua potencialidade. Vale lembrar que o Programa de Fomento 2016/2017 contemplou majoritariamente espetáculos nas periferias, com grupos marginais ou que tratem de temas caros a esses espaços. Foi uma escolha democrática e necessária que precisa ser cumprida”, acrescenta a atriz.
Adriana Schneider complementa que os protestos dos artistas vão além do pagamento dos editais. “Muitos de nós não foram contemplados pelo fomento e estamos nos movimentando também. Não é só pelo pagamento, temos que pensar que não podemos ser reféns da vontade política dos gestores”, explica.
Pensando nisso, o movimento de artistas e produtores culturais defendem que a gestão da cidade deve ser uma política de estado e não de governo. Por isso estão articulando com alguns vereadores a criação da Lei de Fomento ao Artista Carioca, “para que tais irresponsabilidades nunca mais voltem a acontecer”, conforme explicam no abaixo assinado do Avaaz.
Edição: Vivian Virissimo