O Tribunal Superior de Justiça (TSJ) venezuelano, equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, suspendeu na última quinta-feira (30) o funcionamento da Assembleia Nacional, assumindo temporariamente suas funções. Dois dias depois, recuou da decisão após um pedido do presidente Nicolás Maduro, que convocou o Conselho de Segurança para que revisasse a medida. Ao contrário das análises da imprensa internacional que viram neste episódio um ataque à democracia, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato sustentam que o decorrer do processo indica, ao contrário, o funcionamento das instituições venezuelanas e que é a oposição que tenta dar um golpe de Estado no país.
“Obviamente, não é uma situação normal, mas o jogo político que está sendo jogado na Venezuela também não é normal”, observa Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Na Venezuela, o TSJ se antecipou a um golpe, com uma medida extrema e depois houve um recuo".
A declaração se baseia no fato de que a Assembleia Nacional – considerada pela Justiça do país em desacato por não ter afastado três deputados que teriam vencido as eleições por meios fraudulentos e por não votar medidas importantes para o país – tenta, por diversos meios, destituir o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Após não conseguir convocar o referendo revogatório do mandato presidencial a tempo de serem convocadas novas eleições, o Parlamento passou a cogitar a realização de um julgamento político (impeachment) de Maduro, conceito jurídico que não existe na Constituição Venezuelana.
Nesse sentido, Ivan González, venezuelano militante do movimento sindical internacional que vive no Brasil, afirma que “os poderes estão operando com algum tipo de autonomia. Não houve golpe".
O também professor de Relações internacionais da UFABC, Igor Fuser, complementa ressaltando que os “golpistas estão denunciando um golpe de Estado inexistente para dessa forma impulsionar um golpe de Estado verdadeiro”.
Fuser esclarece ainda que “os trabalhos da Assembleia Nacional não estão e nunca estiveram suspensos, ao contrário do que dizem as notícias falsas difundidas pela mídia burguesa e por agências de desinformação ligadas aos interesses do governo dos Estados Unidos”. Assim, de acordo com o também jornalista, “suas decisões [da Assembleia] não são reconhecidas pelo Judiciário enquanto perdurar a situação anômala em que três parlamentares oposicionistas participam da Assembleia Nacional sem que a sua presença no organismo esteja juridicamente regularizada. O que se vê na Venezuela é a ação do Judiciário para preservar o cumprimento das normas de funcionamento das instituições políticas dentro dos preceitos constitucionais”, ressalta Fuser.
Revisão
Após a decisão do TSJ, o presidente Maduro pediu a instauração do Conselho de Defesa Nacional, que reúne representantes de todos poderes e instituições venezuelanos. A procuradora-geral do país, Luisa Ortega, também criticou a medida, alegando inconstitucionalidade. Assim, após análise, o Conselho de Defesa Nacional aconselhou que o Tribunal modificasse sua decisão e a Corte levantou a suspensão, mas “manteve a Assembleia Nacional em desacato”, como pontua González.
A escalada na tensão do país caribenho se dá após o não cumprimento, por parte da oposição, dos termos que haviam sido pactuados nas mesas de negociações mediadas pela Unasul [União das Nações Sul-Americanas] e pelo Vaticano. Uma das condições acordadas nas conversas era justamente a saída dos três deputados da Assembleia Nacional, como lembra o sindicalista venezuelano. A oposição, no entanto, abandonou as rodadas de conversação antes de sua conclusão.
Para González, a decisão original do TSJ é um elemento de “desgaste político”. Mas, em sua visão, tanto o pronunciamento da procuradora-geral, como os debates no Conselho de Defesa Nacional indicam o funcionamento das instituições democráticas venezuelanas: “O melhor de toda essa história foi a demonstração de que as instituições estão funcionando, que há separação de poderes”, ressalta.
Tensão
Após o embate, deputados da oposição afirmaram, sem detalhes, que tentariam cassar as funções de alguns magistrados do TSJ, o que, segundo González não pode acontecer: “a Assembleia Nacional não pode destituir os magistrados do TSJ. Eles têm uma parte do poder, não todo".
Assim, ao contrário do que a oposição tem defendido, González entende que, na verdade, o Parlamento é a instituição que vem invadindo as competências de outros poderes, como no início deste ano, quando declararam, “sem embasamento constitucional”, a vacância da Presidência: “invadiram a competência do TSJ [nesse caso]”, defende. Para Maringoni, esse episódio do início do ano é que deve ser chamado "golpe".
Fuser conclui lembrando que as ações de desestabilização realizadas pela direita venezuelana são uma forma de tentar “se recuperar da derrota política que foi o fracasso em convocar um referendo para afastar o presidente Maduro, o que se inviabilizou pela incapacidade de coleta das assinaturas necessárias dentro do prazo estabelecido”.
Edição: Vanessa Martina SIlva