Se quiser continuar na campanha para presidência da República, como fez nesta segunda-feira em Porto Alegre, com um discurso de candidato anti-Lula, o prefeito de São Paulo, João Doria, precisa correr para apagar registros de um passado que o deixa mal com o eleitorado do Nordeste brasileiro.
Em março de 2015, quando organizou um evento para famílias de executivos no Hotel Jequiti, no Guarujá, o CEO’s Family, Doria chamou a atenção com um discurso preconceituoso.
O presidente da ONG Gerando Falcões, Eduardo Lyra, que Doria transformou em presidente do Lide Empreendedor Social, realizou uma palestra em que contou sua história.
Filho de pai que foi preso por assalto a banco e de mãe faxineira, Lyra morava numa favela em Guarulhos, Grande São Paulo, e se tornou jornalista e escritor. Hoje dirige a ONG que ajuda jovens da periferia a encontrar o caminho do sucesso.
Eduardo tem uma excelente retórica e empolgou o público. Ao final, Doria foi ao microfone para elogiar Lyra, criticar o programa Bolsa Família e citar, expressamente, os beneficiários do programa no Nordeste como maus exemplos, ao contrário de Lyra.
Duas pessoas presentes ao evento fizeram o mesmo relato, e Lyra, procurado através da assessoria de imprensa da ONG, concordou em dar entrevista num primeiro momento. Mas, depois que, a pedido da assessora Ariane, enviei as perguntas, Lyra encerrou o contato.
Também não autorizou a produtora Radar, que tem a gravação do evento, a entregar cópia da fita com a sua palestra e a manifestação de Doria.
Eduardo Lyra destaca em sua palestra que foi eleito pelo Fórum Econômico Mundial como um dos 15 jovens brasileiros que podem mudar o mundo e pela Revista Forbes Brasil como um dos 30 jovens brasileiros mais influentes.
Uma das perguntas não respondidas por Lyra é:
"A ascensão social é um dos pilares da entidade (a dele, Gerando Falcões) – creio que você concorda que, antes da ascensão, vem a questão da inclusão. Nesse sentido, como você vê programas como o Bolsa Família?"
No evento de Doria no Guarujá, também chamou a atenção o discurso do navegador Amyr Klink, que defendeu um boicote aos postos Petrobras como uma forma de protestar contra a corrupção.
“Eu não vou mais abastecer. (…) Eu acho que, como consumidor, a gente tem um grande poder. Sozinho, a gente não muda nada. Mas, quando a gente junta, a gente pode transformar muitas das coisas que estão erradas”.
Amyr Klink foi muito aplaudido. Mas algumas das pessoas presentes não gostaram do que ele disse.
“O que ele queria? Que a gente abasteça só no posto Shell? Quebrar a Petrobras? Francamente, cada coisa que ouvi nesse encontro do Lide…”, disse uma delas.
O Lide é a joia da coroa do império de João Doria, chamado de Grupo Doria.
O Lide funciona com anuidades dos mais de mil associados (9 mil reais, valor total R$ 9 milhões) e das cotas de patrocínio dos eventos – pelo menos um por mês –, ao custo mínimo de R$ 50 mil reais.
Quem conhece Doria desde a sua presidência na Paulistur, na década de 80, diz que ele sempre teve jeito de rico. Mas a realidade é que sua fortuna (no sentido milionário do termo) só decolou mesmo a partir da criação do Lide, em 2003.
Hoje ele tem uma casa de 3 mil metros quadrados, construída num terreno de mais de 7 mil metros quadrados, no Jardim Europa, em São Paulo.
É uma das dez maiores mansões de São Paulo, tem quadras de esporte e uma parede lotada com 20 quadros de Emiliano Di Cavalcanti.
Só nove pessoas têm em São Paulo uma casa maior que a do prefeito de São Paulo, entre eles o banqueiro Joseph Safra e o apresentador Faustão.
Doria também é dono de um jato Legacy 650, da Embraer, que vale 29,5 milhões de dólares e seu escritório ocupa um andar inteiro no prédio 2277 da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em frente ao Shopping Iguatemi.
Seu patrimônio é um salto gigantesco para um apresentador que, há 30 anos, ia até o departamento de marketing das empresas aéreas em busca de patrocínio para seu programa de TV e saía de lá satisfeito por levar, em vez de um contrato com previsão de pagamento em dinheiro, uma cota de passagens aéreas.
Era com permutas desse tipo que Doria tocava seu programa na TV. Claro que entrava algum dinheiro, mas nada que se compare ao que viria depois, com o Lide.
E o que é o Lide?
“O Lide é um evento, é uma rede de relacionamento”, definiu um executivo que trabalhou com Dória.
O Lide é um bem virtual, diferente, por exemplo, de empresas que cresceram assentando tijolos, como as de Donald Trump, empreendedor que ele admira, ou de empresas que fabricam pregos.
Doria nunca produziu uma agulha. Seu negócio foi costurar relacionamentos e, principalmente, abrir oportunidades para empresários se aproximarem de políticos com influência.
Quem acompanhou o nascimento do Lide sabe da importância que teve o empresário Édson de Godoy Bueno, dono da Amil, que tinha sede no Rio de Janeiro.
Quando Doria teve a ideia de fazer eventos para aproximar empresários de políticos, Édson foi um dos maiores patrocinadores.
“Édson tinha um interesse muito claro. A Amil queria entrar forte em São Paulo e os eventos do Lide foram decisivos para ele”, conta o executivo que acompanhou a trajetória do Lide.
Com os eventos do Lide, Édson se tornou muito próximo do governador Geraldo Alckmin, ao mesmo tempo em que ampliava a estrutura da Amil no Estado.
Há quem diga que a decisão de lançar Doria candidato a prefeito não foi de Alckmin, mas dele, Édson, e Alckmin abraçou a ideia.
No dia 15 de fevereiro, um mês e meio depois da posse de Doria na Prefeitura, o dono da Amil teve um enfarte e morreu.
Na missa de sétimo dia, na Igreja Nossa Senhora do Brasil, o prefeito fez um breve discurso e, emocionado, disse que o dono da Amil era como um pai para ele.
Nessa mesma figura de linguagem, Doria poderia dizer que o Lide seria a sua família. Ainda nessa perspectiva, e o governador Alckmin? O que seria para Doria?
Edição: Diário do Centro do Mundo