A Rede de Médicos e Médicas Populares tem pautado constantemente a importância da atenção básica e do modelo de atendimento comunitário. E tem defendido uma mudança no modelo de atendimento, que hoje é focado na medicalização, algo que a Rede avalia como muito menos eficaz que o modelo que foca na história de vida dos pacientes.
O Brasil de Fato Pernambuco entrevistou o professor Rubens Cavalcanti, médico de família e comunidade da Unidade de Saúde da Família (USF) do Córrego do Jenipapo, na Zona Norte do Recife. Cavalcanti leciona no curso de medicina na Universidade de Pernambuco (UPE) e integra a Rede de Médicos e Médicas Populares.
Brasil de Fato - Como está a situação da atenção básica a saúde em Pernambuco?
Rubens Cavalcanti - Avaliar a situação da Atenção Primária à Saúde (APS) no contexto pernambucano, exige algumas reflexões sobre o momento histórico do país. Se por um lado são observados grandes avanços, principalmente com a inserção de médicos e médicas através do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB), principalmente em municípios onde a medicina não chegava, por outro, observam-se algumas dificuldades, principalmente no que se refere aos serviços de suporte para o funcionamento da APS, ou seja, serviços de exames complementares, de reabilitação como fisioterapia, psicoterapia e de especialistas médicos focais, principalmente neurologia, oftalmologia e cirurgias.
Em outras palavras, observam-se grandes avanços em diversas questões como a ampliação do acesso a consultas médicas, principalmente em cidades do interior do estado, em áreas rurais, além da melhoria da qualidade das consultas gerando aumento da satisfação dos usuários que pode ser evidenciado em diversas pesquisas que foram realizadas nos últimos anos. O PMMB, que tem como um dos eixos o provimento médico, foi o grande responsável por essa melhoria.
Além disso, com a transformação curricular que ocorreu nos cursos de graduação de medicina há alguns anos, e que é estimulada por outro eixo do PMMB (o eixo de formação médica), estudantes de medicina são estimulados a se interessarem pela especialização em Medicina de Família e Comunidade, que é a especialização médica capaz de auxiliar o cuidado de pessoas na grande maioria dos problemas de saúde que o povo brasileiro apresenta. Desde problemas como hipertensão e diabetes até problemas mais complexos, como os que envolvem a saúde mental.
E como essa realidade se encontra no contexto de ataque a democracia?
Por outro lado, um problema que já vinha ocorrendo, e que tende a piorar após a ruptura da democracia brasileira, é a falta de investimento em nos outros níveis de atenção à saúde. Há uma grande barreira de acesso a consulta de médicos especialistas focais, como neurologia, reumatologia, cirurgia, além de grande barreira para realização de exames laboratoriais e de imagens.
Outra barreira encontrada na produção de cuidado das pessoas é a dificuldade em se acessar serviços como de fisioterapia, psicoterapia e outras profissões da saúde que não estão inseridas na Atenção Primária à Saúde. Tais dificuldades ocorrem, entre outros motivos, pela falta de recursos para saúde.
Esta problemática tende a piorar consideravelmente atualmente. Após ruptura democrática que ocorreu no ano passado, o atual governo ilegítimo promove uma política de austeridade com redução dos investimentos em áreas sociais, como a saúde e a educação. Um exemplo do atual rumo das políticas tomadas pelo governo de Michel Temer é a PEC 55 que congela por 20 anos o investimentos nas políticas sociais, o que vai acarretar, ao longo desse tempo, a perda de 400 bilhões de reais no orçamento da saúde.
Qual a importância do atendimento comunitário de saúde?
O cuidado, quando ocorre no contexto comunitário, promove a melhoria da saúde das pessoas por diversas razões. Uma delas é que, na perspectiva comunitária, o cuidado é gerado na produção coletiva de saúde. Em outros termos, além de tratar da saúde de cada pessoa, respeitando-se as singularidades, a Atenção Primária à Saúde promove o cuidado geral dos bairros onde está inserida, ao produzir indicadores locais de saúde e de adoecimento, podendo intervir nas reais necessidades daquela determinada população.
Por exemplo, uma equipe de saúde da família acompanha durante todo o tempo o padrão de adoecimento da população local e, quando surge algo diferente, como um surto de alguma doença infecciosa, pode modificar sua agenda para melhor atender aquela situação emergencial. Além disso, a inserção de um equipamento público de saúde, como as Unidade de Saúde, em um bairro faz com que o Estado se coloque presente na proteção do povo.
Com isso, se reduzem as externalidades negativas. Em outras palavras, quanto maior a inserção de serviços de proteção social como saúde, educação, espaços de lazer, transporte público, menor é a vulnerabilidade social. Além disso, como o cuidado da saúde é intersetorial, as equipes das Unidades de Saúde podem desenvolver ações em conjunto com outros equipamentos sociais da comunidade, como escolas, igrejas, grupos sociais etc. Por fim, por conhecer o contexto social das pessoas atendidas, os planos terapêuticos são voltados para o melhor cuidado possível, tendo em consideração as dificuldades sociais .
Edição: Brasil de Fato Pernambuco