Depois de décadas de mobilização e tentativas, o Brasil está prestes a ter uma nova legislação migratória. O plenário do Senado aprovou o projeto que cria a nova Lei de Migração no Brasil, que agora segue para sanção presidencial.
A nova lei revoga o Estatuto do Estrangeiro, legislação em vigor desde 1980 e que ainda carregava o paradigma da ditadura militar – no qual qualquer não brasileiro era visto como uma potencial ameaça à soberania nacional – e está em desacordo com a Constituição atual.
A proposta aprovada pelos senadores reconhece o migrante, independente de sua nacionalidade, como um sujeito de direitos, e deixa a lei em conformidade com a Constituição.
Além disso, também dedica atenção aos cidadãos brasileiros que vivem no exterior, que seriam cerca de 3 milhões, segundo dados do governo federal. Enquanto isso, há 1,7 milhão de imigrantes que residem regularmente no Brasil, de acordo com a Polícia Federal.
O projeto não chega a ser unanimidade entre as organizações da sociedade civil engajadas na questão migratória, mas a percepção geral é de que a proposta aprovada já é muito melhor do que o Estatuto em vigor, e é fruto de um consenso obtido ao longo de muitos debates e negociações com entidades, políticos e outros atores. Por isso, a aprovação da lei é considerada uma grande vitória dos migrantes residentes no Brasil e da sociedade civil.
A mobilização em torno de uma proposta que superasse o Estatuto do Estrangeiro remonta ao começo da década de 1990, mas ganhou força nos últimos anos, com a discussão de propostas como o Anteprojeto de Lei de Migrações – que teve ideias aproveitadas pela proposta analisada e aprovada no Congresso Nacional.
Debate no Senado
A votação foi antecedida por um debate acalorado entre senadores, contra e a favor da Lei de Migração.
No Senado, o projeto foi chamado de “anacrônico” pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), sob o pretexto que o mundo todo está fortalecendo as medidas restritivas à migração. “Não podemos confundir gestos de humildade com escancarar as fronteiras brasileiras”. Ele ainda citou como exemplo dessa afirmação um boato – já desmentido – de que bolivianos foram abordados pela Polícia Rodoviária Federal em uma estrada de Goiás, em abril de 2016, por supostamente estarem no país em apoio à então presidente Dilma Rousseff (PT).
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou o caráter inconstitucional de boa parte dos artigos do Estatuto do Estrangeiro e a necessidade de adequar a legislação migratória à Constituição atual. “É o inverso do que acontece no mundo contra os brasileiros. Não podemos querer no Brasil uma lei que faz com os migrantes o que não gostamos que aconteça com os cidadãos brasileiros no exterior. Essa lei é um reconhecimento histórico e temos de andar para frente com nossa legislação, não pleitear com o totalitarismo”.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) declarou apoio à proposta, lembrando a origem migrante da própria família, que veio da Palestina. “Não podemos querer comparar o Brasil com outros países com problemas de fronteira. Voto a favor dessa lei”.
Pressões contrárias
Com a aprovação mais próxima, houve mobilização tanto de pessoas em favor da nova Lei de Migração como de grupos e indivíduos contrários à proposta. Para estas, a migração é um tema de soberania nacional – paradigma defendido pelo Estatuto do Estrangeiro – e não um direito humano – paradigma da nova lei.
Nos protestos convocados por grupos conservadores do último dia 26 de março apareceram menções críticas à nova Lei de Migração, colocando-a no mesmo patamar de propostas como a reforma da Previdência e Trabalhista. Em resposta, entidades da sociedade civil organizada e demais pessoas simpáticas à temática migratória iniciaram uma campanha positiva nas redes sociais por meio da campanha Migrar É Direito – hashtag #MigrarÉDireito. Também circulou uma lista de mitos e verdades, disponível no MigraMundo, sobre a nova Lei de Migração.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que deu parecer favorável à nova lei, aproveitou a fala no plenário para rebater alguns dos boatos que circulam em forma de vídeo nas redes sociais, como o de que criminosos se disfarçariam de índios para “invadir” o território brasileiro com a promulgação da nova lei. “Não é apenas a lei, mas a Constituição que garante aos indígenas os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam. A nova lei também não diminui as prerrogativas da Polícia Federal e das Forças Armadas, ao contrário do que tem se falado em videos na web."
Ao concluir o discurso, Jereissati lembrou a mudança de paradigma que traz a nova lei. “O migrante deixa de ser visto pela ótica policialesca e passa a ser visto como alguém com direitos e obrigações. Estamos indo na contramão daqueles que pregam o ódio contra os imigrantes.”
Breve histórico
A proposta analisada pelo Senado Federal nasceu a partir do PLS 288/2013, de autoria do então senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), atual ministro das Relações Exteriores.
Aprovado pela CRE (Comissão de Relações Exteriores e Defesa) em 2015, foi direto para a Câmara dos Deputados, onde foi analisado por uma comissão especial – presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) e relatado pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP). Essa comissão reescreveu o projeto, a partir de outras propostas que tramitavam na Casa e de sugestões da sociedade civil. Desse processo resultou o projeto substitutivo 2516/2015, que foi aprovado pelo plenário da Câmara em 7 de dezembro de 2016.
Por conta das modificações feitas pelos deputados, a proposta da Lei de Migração precisou voltar ao Senado como projeto substitutivo (SCD 7). Relatado e com parecer favorável do senador Tasso Jereissati novamente na Comissão de Relações Exteriores, o projeto seguiu para o plenário do Senado, seu último passo no meio legislativo.
Depois de aprovada, a Lei de Migração vai para sanção do presidente, Michel Temer, que ainda pode vetar um ou mais artigos da nova legislação. A partir da sanção, ela passa a valer dentro de 180 dias.
Edição: MigraMundo