Neste 19 de abril de 2017, data em que os povos indígenas são lembrados no calendário nacional, uma preocupação vem se somar ao contexto de reivindicações desses grupos no Brasil: a reforma da Previdência. Expressa na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, a medida endurece as regras para concessão de benefícios e, entre outras coisas, extingue a seguridade especial, na qual se incluem os indígenas. Entidades que atuam na defesa dos povos originários questionam a medida e afirmam que ela representaria um passo para trás no que se refere ao sistema de garantia de direitos.
Pelas regras atuais, não há uma regulação previdenciária específica para esses grupos, estando eles sujeitos às mesmas normativas que tratam dos trabalhadores rurais: aposentadoria a partir dos 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, com direito a um salário-mínimo. Também podem ser concedidos benefícios como salário-maternidade, auxílio-doença e pensão por morte.
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) não sabe informar quantos indígenas recebem aposentadoria no Brasil, mas, para atestar a situação de segurados especiais, eles apresentam uma certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Foi o que fez Nailton Pataxó, de 70 anos, que vive aldeia Baixa Alegre, no interior da Bahia. Aposentado desde 2011, ele conta que o benefício não só ajuda a manter a família de cinco filhos e 23 netos como se torna a única fonte de sustento quando a seca se instala na região, a partir de julho, prejudicando a plantação de mandioca, milho e feijão.
“A seca vai até o final do ano e a gente tem dificuldade de comer, então, esse é um dinheiro muito importante porque a gente conta como certo todo mês e divide com todo mundo. Não dá pra resolver tudo, mas já ajuda”, afirma o aposentado.
A legislação vigente no país considera que os indígenas são cidadãos plenos de direitos e reconhece a prática de atividade rural ou extrativista por eles exercida.
Caso a PEC da reforma da Previdência seja aprovada no Congresso Nacional, as alterações vão se dar principalmente a partir da equiparação das normas aplicadas a trabalhadores rurais e urbanos. Com isso, além de sofrerem alteração nas regras de idade, os indígenas terão que fornecer uma contribuição individual mínima e periódica de 5% do salário-mínimo.
Críticas
Para as entidades que atuam na defesa desse segmento, a PEC seria uma violação dos direitos indígenas porque, ao homogeneizar as regras de acesso à aposentadoria, desconsidera as especificidades da categoria.
“Nós sabemos que os povos indígenas não são assalariados, não produzem para gerar lucros e ter renda mensal, então, vai ficar muito difícil ou talvez até impossível ter acesso ao sistema previdenciário. Pra nós, é mais um golpe em curso contra os nossos povos”, considera a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara.
A PEC 287 também está no centro das preocupações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que no mês passado publicou um parecer criticando a medida.
A entidade destaca que, para efeito de proteção, tanto a legislação vigente quanto uma série de decisões judiciais sistemáticas no país determinam que indígenas permanecem indígenas, independentemente da situação econômica ou do contexto em que vivem. Na avaliação do Conselho, isso estaria sendo desconsiderado pela proposta.
“Aposentadoria é um direito universal. Além disso, no caso dos indígenas, a Constituição Federal reconhece que eles têm usos e costumes próprios e uma organização social peculiar, então, quando você impõe uma lei que coloca pra eles um limite de idade igual ao dos outros, isso fere um direito. Índio não é obrigado a ter que trabalhar para que haja recolhimento previdenciário a cada mês”, assinala o secretário-adjunto do Cimi, Gilberto Vieira, acrescentando que a PEC transgride o Artigo 231 da Carta Magna.
Precarização
Outro destaque dado pelo Conselho é que a medida não estaria levando em conta o contexto dos indígenas no atual cenário do país. Vieira salienta que a situação de hoje é considerada pior do que o que se verificava na época em que a legislação previdenciária em vigor foi concebida.
“Houve uma fragilização do atendimento à saúde, do sistema de proteção dos territórios indígenas; o avanço do agronegócio e de outros empreendimentos sobre esses territórios, impactando o entorno das terras. Temos, por exemplo, a construção de hidrelétricas, a poluição da água pela atividade do agronegócio e a própria fragilização da política indigenista. Isso impacta o bem-estar das comunidades”, exemplifica.
Para a Apib, ao ignorar as peculiaridades dessas comunidades, a PEC 287 também desconsidera a contribuição dada por elas à coletividade como um todo.
“O modo de vida dos povos indígenas já contribui consideravelmente para a sociedade brasileira e pro mundo, uma vez que ajuda a preservar as florestas, o meio ambiente, as águas, que são bens comuns e garantem a existência de todo mundo”, finaliza Sônia Guajajara, apontando ainda a riqueza cultural das comunidades.
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, o Brasil tem cerca de 896 mil indígenas, distribuídos em 305 povos, que falam 274 línguas diferentes.
Edição: Vanessa Martina Silva