Nesta quarta-feira (26), os EUA começaram a instalar partes de um sistema antimíssil na Coreia do Sul. A medida é uma resposta aos exercícios militares feitos pela Coreia do Norte, em um momento de crescente acirramento das tensões entre os países. Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, no entanto, é "improvável" que a disputa entre os dois países culmine, efetivamente, em conflito nuclear.
O professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Reginaldo Nasser considera que as provocações entre os dois países têm um objetivo econômico. "Na época de Eisenhower [Dwight D., presidente dos EUA entre 1953 até 1961], o próprio disse que havia um complexo industrial-militar nos EUA que dominava a política na década de 1950. De lá para cá, isso só cresceu", pontua o professor.
Desde que assumiu a presidência dos EUA há quase 100 dias, o republicano Donald Trump tem promovido o maior impulso ao rearmamento no país em uma década. O orçamento militar e de segurança foi alavancado de 3,5% para 6% do PIB estadunidense, chegando aos US$ 54 bilhões (cerca de R$ 171 bilhões).
Nasser afirma que os EUA têm uma "fatia considerável" de seu orçamento relacionada, direta ou indiretamente, ao militarismo. Dessa maneira, o conflito, assim como o discurso de combate ao terrorismo, justificaria o apoio a "guerras patrocinadas" envolvendo outros países, como a Síria e a Ucrânia.
Ele pondera ainda que o lobby não está restrito à indústria bélica e abrange também empresas de outros setores, mas que se desenvolvem com investimento na área militar. "Há um intercâmbio de tecnologia entre vários setores e isso é um grande investimento", considera.
Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cristina Pecequilo, o peso tradicional industrial-militar na economia estadunidense ainda é preponderante. Ela avalia, no entanto, que a política de Trump deve resultar em um aumento do déficit interno e dos desequilíbrios econômicos, repetindo o ciclo anterior do governo do ex-presidente republicano de George W. Bush.
"A ideia é que existe uma expansão econômica inicial a partir do belicismo, mas é comprovado que se esgota rapidamente, pois gera empregos de forma localizada e desvia gastos de setores como educação e saúde", afirma a professora.
Disputa improvável
Pecequilo acredita que a troca de provocações entre os países faz parte de "movimentos cíclicos de barganha e pressão". "Não haverá confronto direto, apenas a tensão tradicional, testes e trocas de acusações, até que o ciclo se esgote mais uma vez", aposta a professora.
Para ela, o governo de Trump instrumentaliza a Coreia do Norte para manter sua projeção militar na Ásia e pressionar aliados como o Japão, além de manter o cerco à China. Por outro lado, disse a professora, o conflito também é útil para o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, reforçar seu regime.
No início de abril, os EUA enviaram um porta-aviões e um submarino militar para o Mar do Japão como "um forte sinal dissuasório". Nesta quarta-feira (26), o presidente dos EUA convocou uma reunião na Casa Branca com os 100 senadores estadunidenses, algo até então inédito.
Reginaldo Nasser também considera que não há disputa efetiva entre os países, mas um "jogo de cena". Ele explica que, durante a Guerra Fria, a estratégia de ameaças a uma guerra nuclear ficou conhecida como "dissuasão nuclear" — ou seja, uma ameaça implícita, mas que não se efetivaria. Segundo o professor, o acirramento entre União Soviética e EUA durante a Crise dos Mísseis em Cuba (1962) também foi marcado pelo auge da diplomacia entre os países rivais.
"O regime ditatorial da Coreia está usando isso para justificar uma série de medidas de exceção e militarismo; do lado do EUA usam para justificar o investimento em armas, aumento de orçamento e do sistema de segurança", avalia.
Arsenal nuclear
Desde janeiro de 2003, quando se retiraram do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), a Coreia do Norte vem desenvolvendo um programa nuclear e também um arsenal de mísseis balísticos.
O TNP é um acordo de 1968, criado para promover a erradicação das armas nucleares e assegurar o uso da energia nuclear apenas para fins pacíficos. No entanto, segundo levantamento da Federation of American Scientists, existem 14.923 bombas nucleares em todo o mundo atualmente.
Segundo a instituição, este arsenal diminuiu 78,7% desde 1986, durante a Guerra Fria. Na época, estima-se que existiam 70,3 mil armas nucleares. A Rússia é o país com o maior arsenal nuclear, com 7 mil bombas, seguido dos EUA, que mantém 6,8 mil armas nucleares. Juntos, os dois países detêm 92% de todo o armamento disponível. Já a Coreia do Norte, contaria com oito. Segundo um levantamento divulgado pelo jornal The New York Times, os coreanos têm capacidade para a construção de uma bomba nuclear a cada seis semanas.
Para Pecequilo, os regimes de não proliferação tem se mostrado irrelevantes em um cenário em que predomina o unilateralismo. "O próprio EUA não respeita muita de suas recomendações e os considera restritivos. Assim, [os tratados] perdem legitimidade e colocam em xeque a dinâmica multilateral de forma ampla", finaliza.
Edição: José Eduardo Bernardes