Nesta sexta-feira (28), data marcada para a Greve Geral no Brasil, o segmento da educação levará às ruas do país um conjunto de reivindicações que se somam à insatisfação com as reformas trabalhista e da Previdência. O ajuste fiscal, a reforma do ensino médio e o Projeto de Lei (PL) Escola sem Partido estão entre os principais pontos da agenda de luta que congrega trabalhadores da educação, estudantes e especialistas no assunto.
Considerada como pauta prioritária, a restrição orçamentária surge em primeiro plano quando o assunto é o sucateamento do ensino público. É o que diz o secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Gilmar Soares. A entidade tem feito um forte coro contra a emenda constitucional 95, que foi aprovada pelo Legislativo no final de 2016 e instaurou o novo regime fiscal, estipulando uma redução dos investimentos públicos nas áreas sociais em um horizonte de 20 anos.
“Ela estabelece uma situação mais drástica ainda na educação e reduz a capacidade do Estado de ir ao encontro da população que foi historicamente excluída do direito de ter acesso à educação pública”, afirma o dirigente, acrescentando que a medida favorece a iniciativa privada porque estimula a evasão do ensino público por parte dos alunos que puderem pagar por um estabelecimento particular.
O mesmo interesse privado despontaria, segundo ele, como beneficiário indireto da reforma do ensino médio, sancionada em fevereiro deste ano, após aprovação no Congresso Nacional. Enviada ao Legislativo através de uma medida provisória (MP), a reforma determina, entre outras coisas, que 60% da grade curricular serão de disciplinas obrigatórias e o restante será de matérias opcionais, com os estudantes tendo que escolher, a partir da metade do curso, uma área específica para se especializar. A medida começa a ser aplicada nas unidades de ensino em 2018.
Além disso, as escolas não serão mais obrigadas a ofertar as disciplinas de artes e educação física, ficando somente as matérias de português e matemática como obrigatórias no ensino médio. As demais ficam a critério do aluno e também da grade disponibilizada por cada instituição individualmente.
“É preocupante porque destrói todo um parâmetro de política de Estado e vai favorecer a iniciativa privada, uma vez que quase 70% dos municípios do país só têm uma escola [pública] de ensino médio, e elas não terão condições de ofertar todos os itinerários educativos. Os alunos serão levados para a iniciativa privada”, aponta Soares.
Ele acrescenta que as escolas particulares se pautam pela lógica de mercado, perspectiva diferente da que orienta o ensino público. “Isso é a mercantilização. E a maioria da população brasileira nem tem condição de pagar, mas, mesmo que tivesse, quem tem uma condição universalizante do direito à educação é a escola pública e, lamentavelmente, a MP não respeitou essa condição”, critica o dirigente.
A reforma também institui, por exemplo, a implantação gradual do ensino integral. O estudante secundarista Henrique Rodrigues, de 18 anos, queixa-se da falta de estrutura das escolas públicas para dar conta da referida demanda e critica ainda o fato de a reforma ter sido aprovada através de MP, sem diálogo com os segmentos da educação.
“Se eles estão fazendo algo pra gente, por que não estão conversando com a gente? Eu acho que a reforma deveria primeiro ser pautada com os alunos, porque nós temos que falar o que é melhor pra educação”, completa o secundarista, que estuda na rede pública do Distrito Federal.
“Lei da Mordaça”
Apelidado de “Lei de Mordaça”, o projeto de lei (PL) Escola sem Partido, que tramita atualmente no Congresso Nacional e se multiplica por casas legislativas de diversas regiões do país, é um dos alvos dos segmentos da educação no atual cenário político.
O PL trata da proibição de manifestações ideológicas por parte de educadores em sala de aula e tem descontentado professores e estudantes de viés progressista, que veem na medida uma limitação do direito à liberdade de expressão. Para Henrique Rodrigues, o projeto seria uma forma de institucionalizar a educação de caráter mais conservador, dificultando ou inviabilizando a pluralidade de ideias e culturas.
“É visível que isso não é um projeto de escola sem partido, e sim de partido único. A maior parte da população brasileira é cristã, por exemplo, então, a tendência é que as escolas sejam completamente cristãs e se desfaçam da visão sobre outras culturas. Como a gente vai falar, por exemplo, sobre o Dia do Índio?”, questiona o secundarista.
Para Cleo Manhas, que é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o PL implica “prejuízo” para o sistema de ensino e erra ao diferenciar aprendizagem e educação, tratando esta como uma competência exclusiva dos pais e aquela como obrigação da escola.
“É um retrocesso, porque desde o século XIX a gente discute que a educação se dá em parceria com a comunidade, a escola, a família. E dentro da escola o aluno não é um repositório de conhecimento, não; ele também faz educação e dialoga sobre a vida em sociedade. Paulo Freire deve estar se revirando na cova com esse projeto”, ironiza a pesquisadora, citando o pedagogo e filósofo brasileiro conhecido pela defesa de uma educação de caráter libertador.
Edição: José Eduardo Bernardes