À primeira vista, a multidão assusta. Há um mar de gente e, para onde quer que se olhe, tem pessoas com cartazes, faixas e camisetas em defesa do processo cubano. Ao iniciar a marcha, no entanto, se percebe o nível de organização: “são muitos anos de treinamento”, dizem por aqui. Milhares de jovens voluntários e seguranças cuidam para que tudo siga em ordem e não haja qualquer distúrbio na manifestação.
O Dia do Trabalhador é o mais importante evento popular da ilha. A mobilização começa dias antes e envolve verdadeiramente todos. Desde que chegamos ao país, cada cubano que encontrávamos vibravam ao saber que ficaríamos para ver o desfile: “todos a la plaza”, diziam vários dos cartazes espalhados por Havana, não só nos outdoors, mas também nas casas e restaurantes públicos.
O evento começa cedo e acaba igualmente cedo. Às 9h30 tudo já havia terminado. São um milhão de pessoas na rua e há tremenda ordem, tudo é extremamente organizado. Cada cubano sabe exatamente o que fazer e onde encontrar os companheiros. O desfile é feito por categorias de trabalhadores: professores, jornalistas da Prensa Latina, funcionários do Ministério da Defesa, estudantes, policiais, camponeses. Os grupos confeccionam cartazes, faixas e carregam fotos e imagens para representar suas aspirações.
Há certo tempo já não há os longos discursos típicos de Fidel Castro. O próprio Raúl não discursou, deixando a atividade para o presidente da Central dos Trabalhadores. São outros tempos. O calor extremo do caribe faz com que muitos desmaiem, se desidratem diante da exposição excessiva ao sol. Por isso, tudo começa logo no começo da manhã. Isso permite também que os trabalhadores possam desfrutar de parte do feriado.
É uma festa, uma celebração da Revolução que, desde 1959, libertou a ilha tida até então como um bordel dos Estados Unidos. Foi a primeira comemoração sem a presença de Fidel e a última com um Castro no poder, já que o presidente Raúl já anunciou que ano que vem deixará o governo.
A falta de Fidel se sente nas pessoas, nas ruas. Muitas, muitíssimas, carregavam fotos do líder e gritavam a consigna “eu sou Fidel”. Seus apontamentos do que deve ser a Revolução ainda estão presentes e vivos na memória dos cubanos. Outra presença forte foi a do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. Em diversos cartazes, os cubanos demonstraram o carinho pelo líder da revolução bolivariana e uma importante solidariedade com o país sul-americano, que vive uma das mais graves crises políticas da região no século 21.
A manifestação de que tanto se orgulha Cuba reflete também a forma de encarar o trabalho na ilha socialista. Muitos trabalham dobrado, geralmente conciliando atividades ligadas ao turismo às ocupações tradicionais. Da camareira do hotel aos garçons nos restaurantes, passando pelos trabalhadores de serviços e professores, percebe-se a dignidade e o orgulho presente nas atividades desempenhadas.
Havana é uma cidade pequena, na qual é possível se locomover com facilidade, sem engarrafamento, sem levar tempo excessivo no trânsito. Os meios de transporte estão longe de serem eficientes, mas não se compara ao tempo perdido em muitas cidades brasileiras para chegar ao trabalho. Assim, sobra tempo para que as pessoas se dediquem a atividades de lazer, à música ou ao simples ócio na beira do Malecón (espécie de calçadão na beira do mar).
Quando se têm a visão do todo, percebe-se que o lema “nossa força é a unidade”, presente por todas as partes da ilha e frase de abertura do desfile, não é um slogan vazio, mas um horizonte que é, de fato, perseguido pelos cubanos em suas atividades e na defesa da revolução que, com todos os problemas que tem e com todas as dificuldades que enfrenta, ainda é reconhecida como o que de melhor ocorreu ao país depois da Independência de 1895.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque