Amazônia

Rodovia Transamazônica permanece bloqueada pelo povo Munduruku

Indígenas prometem queimar pontes da rodovia caso as reivindicações nãos sejam atendidas

Brasil de Fato | Belém (PA) |
O bloqueio na rodovia Transamazônica realizado pelos indígenas completa oito dias
O bloqueio na rodovia Transamazônica realizado pelos indígenas completa oito dias - Mauricio Torres

Cerca de 150 indígenas Munduruku do alto e médio Tapajós e ribeirinhos da Montanha-Mangabal segue em manifestação contra o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela demarcação da Terra Indígena (TI) Sawre Muybu. Eles estão bloqueando a rodovia Transamazônica (BR-230), próximo ao distrito de Miritituba, no município de Itaituba, no Pará, em uma ação que já dura oito dias. 

Desde o dia 26 de abril os indígenas ocupam uma ponte da rodovia Transamazônica, considerada como principal via de transporte para o escoamento de grãos vindos do Mato Grosso. A manifestação está a 25 quilômetros dos portos de Miritituba, local de escoamento de grãos e onde operam empresas como Amaggi, Cargill e Bunge. 

Segundo informações do site do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), na última sexta-feira (28), dia da Greve Geral cerca de 3,5 mil caminhões estavam parados, em uma fila que se estendia por 35 km ao longo da rodovia. 

Alessandra Munduruku afirma que a demora do governo golpista de Michel Temer (PMDB) em dar uma resposta a pauta de reivindicações contribui para aumentar o clima de tensão na região.

“O governo acha que vai cansar a gente, nós somos muitos e os parentes estão vendo que não está tendo resultado no governo federal. Eu estou pendido calma, e eles falam que se não sair [atenderem as reivindicações] vão queimar [a ponte] e vai ser pior ainda, porque ninguém vai desistir não”, assegura. 

Pautas 

Os Munduruku apresentaram um manifesto com diversos pontos. Os principais, segundo Alessandra Munduruku, são a nomeação de um coordenador regional da Funai em Itaituba e a demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu. 

O processo de demarcação da TI está parado desde abril de 2016, quando foi publicado no Diário Oficial da União um Estudo de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. Os indígenas exigem que a Funai prossiga com o processo e que o Ministério da Justiça e Segurança Pública publique a portaria declaratória da TI Sawré Muybu. 

Sobre a nomeação de um coordenador titular na Funai, Ademir Macedo da Silva, 43 anos, que ocupava o cargo como coordenador substituto desde 2013, afirma que por meio do decreto 9.010 de 23 de março de 2017, vários cargos foram exonerados e a Coordenação Regional (CR) do Tapajós desde 2015 vinha trabalhando com sete pessoas para atender uma população de cerca de 20 mil indígenas nas regiões do alto, médio e baixo Tapajós.  

“Para atender os indígenas aqui no alto Tapajós, são mais de 10 mil pessoas, só no município de Jacareacanga, no médio Tapajós que é na parte de Itatuba estamos com sete aldeias tem mais de mil indígenas, e tem mais a demanda do baixo Tapajós que são três etnias. Lá chegam mais ou menos 8 mil indígenas. Com a demanda toda dá em torno de 20 mil pessoas”, declara.

Silva informa que o presidente da Funai, Antônio Costa (PSC) atendeu a demanda do povo Munduruku e solicitou por meio de memorando a nomeação dele no cargo de coordenador titular em Itaituba ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio (PMDB), contudo, conforme conta Alessandra Munduruku, para o povo Munduruku a solicitação não basta, é necessário a publicação no Diário Oficial.

“Se a Funai acabar, onde é que nós vamos brigar pela demarcação da terra indígena? Onde vamos tirar documentos e o salário maternidade? Porque é a Funai que dá apoio. Infelizmente o governo federal está quebrando as pernas da Funai para não ajudar os povos indígenas”.

O Brasil de Fato entrou em contato por e-mail e telefone com as assessorias de comunicação da Funai e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para confirmar a nomeação do novo coordenador regional em Itaituba e o atendimento das demandas dos Mundurukus, mas até o fechamento da reportagem não houve resposta. 

Leia a íntegra do Manifesto Munduruku

Nós, povo Munduruku, que ocupamos as terras indígenas do médio e alto Tapajós, em um total de 13 mil índios, nos municípios de Itaituba, Trairão e Jacareacanga, estado do Pará, estamos reunidos em um grupo de 130 pessoas, numa manifestação pela reivindicação de nossos direitos. Desde o último dia 26, ocupamos o Km 30, no ponto de encontro entre as rodovias BR-230 (Transamazônica) e BR 163 (Santarém-Cuiabá), e bloqueamos o fluxo dessa estrada. Essa foi a única forma que encontramos para chamar atenção do Governo Federal para as nossas demandas, que estão presentes na seguinte pauta de reivindicação:

- Exigimos a demarcação da TI Sawré Muybu: o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dessa terra foi publicado em 19 de abril de 2016, porém, até o presente, um anos após esse ato, o processo de demarcação se manteve parado. Exigimos que a FUNAI der continuidade com esse processo e que o Ministério da Justiça emita, enfim, a portaria declaratória da TI Sawré Muybu.

- Não aceitamos a Medida Provisória 756/2016, que cria a APA do Trairão, em área sobreposta à TI Sawré Muybu: exigimos que essa medida seja revogada, uma vez que a mesma cria a APA Trairão sobre a TI Sawre Muybu. Essa unidade de conservação permite a exploração da área por não-índios, fato que é inconstitucional, posto que a TI, já reconhecida pelo Estado, é área de ocupação e usufruto exclusivo do Povo Munduruku.

- Não aceitamos “projetos da morte” em nosso território: somos terminantemente contrários à iniciativa do Governo Federal de construir hidrelétricas na bacia do rio Tapajós. Assim como, não aceitamos as propostas de Concessão Florestal das Florestas Nacionais Itaituba I e Itaituba II, pois este processo tem sido realizado com total desrespeito ao direito originário do Povo Munduruku, assim como aos direitos da população ribeirinha que ocupa há muitas gerações as terras que serão afetadas por esse projeto, no âmbito do qual, até o presente momento, não se realizou a Consulta Livre, Prévia e Informada dos povos tradicionais, tal como o que previsto na Convenção 169 da OIT.

- Exigimos o fortalecimento da CR do Tapajós: as medidas do Governo Federal, tal como o Decreto 9.010/2017, contribuíram substancialmente para o enfraquecimento da FUNAI, que há anos já vem sido nitidamente sucateada. Acreditamos que o enfraquecimento desse órgão tem relação direta com a falta de compromisso do Governo Federal com a promoção dos direitos dos povos indígenas. Estamos cientes, ainda, que os interesses governamentais estão aliadas com políticas de crescimento econômica que são diretamente opostas à agende indígena. Porém, acreditamos que a Funai ainda pode ser um órgão fundamental para a efetivação de nossos direitos, principalmente no que se refere à demarcação de terras indígenas e a proteção de nossos territórios. Diante disso, exigimos que o Ministério da Justiça e a Presidência da Funai resolvam os problemas que assolam a Coordenação Regional do Tapajós, que hoje está praticamente agonizante. Exigimos a nomeação do Coordenador Regional Titular; a nomeação dos demais cargos de chefia que hoje se encontram vagos; a estruturação física, técnica e financeira da CR e das CTLs de Itaituba, Santarém e Jacareacanga; e a convocação, imediata dos novos servidores aprovados no último concurso público, em número suficiente para atender a demanda da CR Tapajós, conforme análise dos servidores dessa unidade, a serem consultados.

Sem mais, esta é a nossa pauta de reivindicação!

Edição: José Eduardo Bernardes