Audiência

Pará: MST denuncia violência no campo em reunião com secretário de Segurança Pública

Ameaças de morte se intensificaram em acampamentos do sul e sudeste do estado do Pará

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Ofício com relatos sobre as ameaças e atos criminosos ocorridos nos acampamentos do MST foi entregue ao secretário
Ofício com relatos sobre as ameaças e atos criminosos ocorridos nos acampamentos do MST foi entregue ao secretário - Lilian Campelo

Roças e escolas de acampamentos queimadas, tiros disparados à noite, ameaças de morte, atentados contra famílias acampadas e pressão psicológica. Estes são alguns dos relatos que a coordenação e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará denunciaram em audiência com o secretário de Segurança Pública de Defesa Social (Segup), Jeannot Jansen, realizada na última quinta-feira (27) em Belém. 

Ulisses Manaças, da coordenação nacional do MST, relatou ao secretário que os atos de violência e ameaças têm se intensificado nos acampamentos do MST nas regiões do Sul e Sudeste do Pará e citou o caso de Waldomiro Costa Pereira, baleado dentro do lote onde vivia, no assentamento 17 de abril, em Parauapebas, distante 700 quilômetros de Belém. 

Pereira foi levado para o hospital da cidade ainda com vida. Mas no dia 20 de março, cinco homens armados renderam os seguranças do hospital e assassinaram Pereira que estava na UTI. Ele era militante do MST, mas estava distante do movimento. 

“O que nos traz aqui é que esses elementos [ameaças e violência], que são parte do cotidiano naquela região [sul e sudeste do Pará], tem se agravado de forma assustadora nos últimos períodos, sempre fez parte do nosso cotidiano esses tipos de ameaça, mas os últimos acontecimentos têm acionado o sinal de alerta e a gente vem recorrer a Secretaria de Segurança Pública, que tem o dever de salvaguardar a vida dos seus cidadãos”, ressalta.

Na ocasião o delegado geral do estado do Pará, Rilmar Firmino de Sousa, que estava presente na audiência, informou que a investigação sobre o assassinado de Pereira está "bem avançada". Ele ainda contou que o caso corre em sigilo e garantiu que o crime será solucionado. “Eu tenho certeza que vamos elucidar esse crime”, afirmou. 

Sobre a morte de Pereira, o secretário destacou que em casos de homicídio e outros delitos, é preciso tempo e paciência, elementos que, segundo ele, provocam “angústia”.

“A gente fica ansioso e começa a achar que esses caras não estão fazendo nada. Nós estamos fazendo sim, de modo geral estamos fazendo sim”, disse.

Tensão no 17 de abril 

Outro fato apresentado durante a reunião foi o clima de tensão vivenciado pelos militantes antes e durante a programação do dia 17 de abril, data em memória das vítimas do massacre de Eldorado de Carajás, quando o MST realiza intensa programação com ato ecumênico, formações e atividades culturais com jovens.

Maria Raimunda César, militante do MST em Marabá, afirmou que no dia 15, tiros foram disparados à noite em direção ao acampamento da juventude, que fica na chamada Curva do S, na rodovia PA-150, localizada entre os municípios de Marabá e Eldorado dos Carajás, no sudeste do estado. 

A agricultora contou que no dia seguinte, muitas pessoas entraram no acampamento, se aproximavam dos militantes e avisavam para “tomar cuidado com o que iriam falar”, já que haveriam pessoas assistindo os atos a mando de fazendeiros da região. No dia 17 ela foi ameaçada de morte. 

“No início do ato que a gente compôs o palanque, chegou uma pessoa, chamou uma militante no canto e disse: ‘olha pede para a Maria sair daí que tem dois caras armados mirando ali’. Nesse momento cercou, ficou um monte de militantes na minha frente, foi um ato de muita coragem, porque a fala seguinte seria a minha, eu iria iniciar o bloco de falas do MST, que era uma fala de recepção, ficou um momento de tensão”, recorda.   

César conta que muitas pessoas armadas transitavam pelo evento, mas que não conseguiram identificar quem seria o mandante das ameaças, principalmente porque ao perguntar para as pessoas que davam os avisos, a resposta era: “Ah não, vou dizer não, ouvi por aí”, reproduziu. 

“Por isso que estamos aqui, recorrendo, denunciando e exigindo que essa instituição possa investigar, possa cuidar desses processos de ameaças, que tem em relação aos trabalhadores. Não é verdade que nós queremos fazer mártires para fazer mídia, os mártires quem fazem são os nossos inimigos”, declarou.

Famílias ameaçadas 

O grupo também informou ao secretário sobre a situação das 125 famílias, que vivem no acampamento Frei Henri, no espaço chamado Fazendinha. Distante 12 quilômetros de Parauapebas, a área pertence ao município de Curionópolis. Desde o ano passado as famílias vêm sofrendo intensas ameaças do fazendeiro, Darlan Lopes, conhecido como Dão, que se diz proprietário.

Segundo Ana de Sousa*, que estava presente na audiência, no final de 2016 foi iniciado o processo de despejo do fazendeiro para reintegração de posse em favor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

Segundo ela ficou comprovado na Justiça que as terras pertencem à União. Lopes disse, à época, que não poderia sair da propriedade e um novo prazo de 90 dias foi estipulado. Em abril deste ano segundo Souza, um juiz, acompanhado da Policia Federal foi até a sede da fazenda para realizar a ação de reintegração de posse, mas novamente Lopes se recusou a deixar o local.  

Diante do clima de tensão, Souza afirmou que o juiz não conseguiu cumprir a ação. As famílias que aguardam pela terra foram informadas que a reintegração de posse será cumprida quando houver um contingente maior de policias federais na região, pedido já solicitado pelo juiz responsável.

“É uma situação muito preocupante. A quem tu pedes proteção? Como é que tu te organizas em um território em que o sujeito ameaça constantemente e não quer cumprir com aquilo que a justiça determinou?”, questiona. 

A agricultora explica que a retomada da Fazendinha é significativa para a região. “Até onde eu conheço, no estado do Pará, é a primeira área em que há uma reintegração de posse, despejo do fazendeiro onde todas as provas levaram ao diagnóstico de que a terra é da União. Ele grilou e não comprovou nada, em nenhuma fração, geralmente eles [grileiros] comprovam fração da área como propriedade e outra parte é grilada, nessa não, 100% da área é grilada”, afirmou. 

Ao final da audiência foi entregue ao secretário um ofício com todas as denúncias relatadas. Os presentes ainda informaram que todas as ameaças e atos de violência estão registradas na Ouvidoria Agrária de Marabá.

*A pedido da entrevistada, seu nome verdadeiro foi omitido.

Edição: José Eduardo Bernardes