Por trás de cada prato de comida existe uma complexa cadeia produtiva que vai desde as pesquisas científicas até a regulação do uso de substâncias químicas na produção agrícola. Tal cadeia envolve a indústria de sementes, de fertilizantes e dos defensivos agrícolas, mais conhecidos no Brasil como agrotóxicos.
Esse modelo de produção impôs à nossa agricultura o círculo vicioso do veneno. Nele, o solo, a sazonalidade, o clima e as características geográficas deixam de ser tratados como algo vivo e dinâmico e a agricultura passa a sofrer constantemente intervenções por substâncias químicas.
Os efeitos colaterais, no meio ambiente e na saúde da população, do uso excessivo de agrotóxicos demonstram a necessidade de romper com esse ciclo.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomenda a redução progressiva do uso de agrotóxicos e ressalta seus riscos à saúde, em especial nas causas do câncer, além de apontar outros efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos, como malformações fetais, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico, infertilidade, entre outros.
Os agrotóxicos não estão apenas nas frutas e hortaliças, mas também no arroz, no feijão e nos produtos processados.
Apesar dos evidentes riscos à saúde, o consumidor sabe muito pouco sobre o que está consumindo e a indústria insiste que existe “nível seguro” para o consumo dessas substâncias.
Relatório da Anvisa com indicadores da quantidade de resíduos de agrotóxicos consumidos pela população deixa a sensação de desamparo e risco permanente.
Atualmente, a utilização de agrotóxicos é regulamentada por meio de um arcabouço legal que prevê o controle, registro e fiscalização dessas substâncias, envolvendo órgãos como a Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura e Pecuária, com vistas a proteger o meio ambiente e a saúde dos consumidores.
Protocolos internacionais sinalizam a tendência de aumentar as restrições para os agrotóxicos.
Na contramão deste debate, ruralistas defendem o "Pacote do Veneno", conjunto de 18 projetos de lei apensados ao PL 6299/2002. O projeto está em tramitação em comissão especial na Câmara dos Deputados e, caso aprovado, revogará a atual Lei dos Agrotóxicos.
Essa proposta intensifica a lógica do círculo vicioso do veneno, com a flexibilização dos pré-requisitos para o registro de novas substâncias, retirando a avaliação dos impactos na saúde e no meio ambiente como determinantes para a aprovação.
Em paralelo, recentemente foi noticiada a elaboração de uma medida provisória que altera a Lei dos Agrotóxicos e prevê o aumento do uso de venenos que oferecem graves riscos à saúde dos brasileiros, representando mais uma manobra dos ruralistas para contornar os limites que a lei impõe.
Em oposição à essas manobra dos ruralistas está a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), proposta pela sociedade civil por meio do projeto de lei 6670/2016. O projeto prevê a transição progressiva do atual modelo de produção para sistemas baseados na agroecologia.
Agricultores gaúchos assentados, inclusive, já são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, o que demonstra que é possível fazer essa transição. A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos abre as portas para estimular o desenvolvimento da ciência, tecnologia e políticas públicas voltadas para atender a demanda por uma produção saudável e sustentável de alimentos.
Ambos os projetos tramitarão no Congresso Nacional ao longo deste ano. Com o objetivo de criar um espaço para a manifestação contrária ao desmonte em curso foi lançada a campanha #ChegaDeAgrotóxicos.
A plataforma, que já conta com quase 50 mil assinaturas, atesta o apelo do tema na sociedade.
É necessário romper o círculo vicioso do veneno e concretizar a vontade da sociedade: alimentos saudáveis e seguros e produção sustentável e justa para quem consome e planta.
*Carla Bueno é engenheira agrônoma, integrante da coordenação da Campanha Permanente Contra os Contra os Agrotóxicos e Pela Vida; Mariana Tarricone Garcia, é nutricionista e pesquisadora em Alimentos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); Marina Cobra Lacorte, é engenheira agrônoma e membro da campanha de agricultura e alimentação do Greenpeace.
Edição: Carta Capital