A disputa de projetos para a agricultura brasileira se apresentou para a sociedade na realização, na mesma semana, de duas grandes feiras. Na cidade de São Paulo, maior centro urbano do país, os acampados e assentados da reforma agrária, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), promovem a 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária. Em Ribeirão Preto, berço do agronegócio no interior paulista, associações dos grandes latifundiários realizaram uma das maiores feiras do segmento, a 24ª Agrishow.
A feira da reforma agrária, que envolve mais de 800 camponeses e camponesas de 23 estados, comercializa 280 toneladas alimentos para os paulistanos: arroz, feijão, tomate, mandioca, cebola, banana, abacaxi, queijos, leite, mel, suco de uva, produzidos em pequenas propriedades, a maior parte sem a utilização de agrotóxicos.
O evento do agronegócio exibe inovações tecnológicas para a produção em latifúndios, como tratores, colheitadeiras, podadoras, trituradores, escavadeiras, aeronaves, pulverizadores, voltados para a produção em grandes propriedades voltados para exportação, como soja, milho, carnes, algodão e etanol.
Enquanto uma feira expõe a produção de famílias de trabalhadores rurais de todas as regiões do país, que conquistaram a terra em um programa público de reforma agrária, a outra exibe máquinas modernas fabricadas por grandes empresas privadas, inclusive estrangeiras.
Se uma tem como público-alvo pessoas comuns, famílias que vivem em São Paulo e querem comprar uma variedade de alimentos diretamente dos produtores, a segunda é voltada para médios e grandes empresários que pagam em torno de R$ 30 de ingresso para conhecer as novidades tecnológicas para renovar seus bens de produção e sobreviver em um mercado altamente competitivo.
Independente do juízo de valor que qualquer um possa fazer em relação às mostras, o caráter público da feira da reforma agrária é mais do que evidente.
No entanto, o Jornal da Band, apresentado na noite desta sexta-feira (5), usa tom de denúncia para reportar a “polêmica” cessão de um parque público e acusa o apoio do governo municipal, estadual e federal à feira promovida por trabalhadores rurais que atuam no MST.
E logo em seguida, sem demonstrar nenhum constrangimento, apresenta uma “reportagem”, na realidade uma propaganda explícita, da mostra de tecnologia do agronegócio.
A cessão de um parque público pelo governo estadual para uma feira aberta de camponeses de todo o país e o apoio institucional para a promoção da produção de assentados por meio do programa público de reforma agrária geram “polêmica” para a Band.
No entanto, não gera qualquer polêmica o governo federal, governo estadual e prefeitura de Ribeirão Preto bancarem a Agrishow, que atende interesses eminentemente privados e ainda cobra ingressos para a entrada. Inclusive, não gera polêmica alguma o evento acontecer no chamado Centro da Cana, do Instituto Agronômico da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do governo estadual.
Ou seja, o governo do estado atuou com isonomia e cedeu espaços públicos tanto para a feira dos assentados como para os latifundiários.
O procurador de Justiça Márcio Fernando Elias Rosa, secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, atuou de forma republicana. Já o secretário do Meio Ambiente, Ricardo Salles, indicado pelo PP e ex-diretor da Sociedade Rural Brasileira, agiu como cão de guarda dos segmentos mais reacionários do latifúndio.
A reportagem claramente encomendada da Band tem objetivos claros: queimar o secretário Marcio Fernando, criar constrangimentos para o poder público e impor dificuldades para a realização das próximas feiras da reforma agrária.
A Agrishow está na sua 24ª edição, mas a família Saad e os segmentos mais atrasados do agronegócio não querem uma terceira Feira Nacional da Reforma Agrária no Parque da Água Branca, no coração da cidade de São Paulo.
Não admitem que os assentados tenham a oportunidade de mostrar à população a produção da reforma agrária. Não querem desvelar o potencial da pequena agricultura, que produz em quantidade e qualidade com apenas 15% do crédito investido pelo governo federal no Plano Safra.
Não têm serenidade em acompanhar, com um raro sentimento de impotência, que milhares de pessoas que visitam a feira possam ver com os próprios olhos não apenas a farta produção, mas o rosto, as mãos, o cuidado e a dedicação de um povo trabalhador que costuma ser chamado nos noticiários de invasores, baderneiros e bandidos.
Não suportam que aqueles que “invadem terra” melhoram de vida, obtém conquistas e, por meio da luta e do suor do próprio trabalho sem patrão, ocupem um parque no centro de São Paulo com a sua produção de alimentos, cultura, cara e coragem.
Não aguentam ver que a realidade fabricada pelos latifundiários e seus braços ideológicas na grande mídia cair por terra, diante da contradição imposta pela experiência concreta que a Feira Nacional da Reforma Agrária proporciona a milhares de paulistanos desejosos de alimentos saudáveis de qualidade quando se deparam com os resultados da luta do MST e da reforma agrária popular.
Os cães ladram e a caravana passa. Até a próxima Feira Nacional da Reforma Agrária em 2018!
*Jornalista
Edição: Brasil de Fato