O mês de maio tem uma importante data para os negros brasileiros. No dia 13, celebra-se a abolição da escravatura. Juliana Cézar Nunes, integrante da Irmandade Pretas Candangas de Brasília e da Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial no Distrito Federal (Cojira/DF), avalia que, ao considerar o 13 de maio de 1988 como marco da abolição da escravidão no Brasil, se invisibiliza a participação dos negros na luta por liberdade. Nunes também é integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalista do DF.
Leia a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Os movimentos sociais negros repudiam o 13 de maio, pode explicar a razão?
Juliana Cézar Nunes: A data é marcada pelo ato institucional da princesa Izabel como se ela fosse protagonista da conquista da liberdade dos africanos e seus descentes. Esse falso protagonismo incomoda uma vez que houve várias pessoas negras que fizeram essa luta para o fim da escravidão e que permanecem invisibilizadas. Além disso, esse ato institucional foi permeado por influências internacionais e problemas comerciais que o país enfrentava por ser um dos últimos a ter mão de obra escrava. Após esse ato, não se seguiram outros para garantir a cidadania da população negra, pelo contrário, criaram-se outros instrumentos que aprofundaram a segregação da população negra. Por isso, o movimento negro fala sobre abolição inacabada.
Qual é o cenário da população negra hoje?
Nos mais variados aspectos, a população negra enfrenta o racismo institucional que estrutura a sociedade. Do nascer ao morrer, somos violentados e sofremos bastante ao longo da vida, na garantia de acesso à saúde, à educação, à terra. Há dificuldades nos mais variados aspectos da vida, com a enorme desvantagem de ser o alvo preferencial da violência do Estado. Para conter a revolta da população negra, pela falta de acesso ao serviço público, o Estado usa seu braço armado que vitima milhares de jovens negros. As mulheres negras são vítimas diretamente e por serem aquelas que arcam com uma família sozinha na ausência do pai, do irmão, do marido. É um conjunto de fatores que a gente vivencia que são frutos da escravidão e do racismo.
A situação da mulher negra nesse contexto é ainda mais fragilizada?
Sobre os ombros das mulheres negras pesa toda essa sociedade machista e racista. Ao longo de sua vida, ela vai sofrendo os mais variados tipos de violência racistas desde o aspecto simbólico, estético, até o concreto no acesso ao mercado de trabalho, ao sistema de saúde, nas escolas e o que chamamos de feminicídio de Estado. Ele que leva a mortes como a de Cláudia Ferreira da Silva [que foi morta após ser arrastada por um carro da Polícia Militar no Rio de Janeiro, em 2014], mais recentemente a de Maria Eduarda [estudante atingida por bala perdida dentro da escola em abril deste ano] porque não há um cuidado com elas e seus corpos. Se observarmos a forma como as mulheres negras vêm morrendo no Brasil, pode-se comparar com o que ocorria na época da escravidão por conta dos requintes de crueldade.
Tivemos avanços ao longo dos anos?
Sim, todos são frutos da luta do movimento negro e do movimento de mulheres negras, como as cotas raciais nas universidades. Construímos alguns mecanismos de denúncia do racismo e aspectos legais de amparo à luta dos direitos da população negra. Tudo isso, no entanto, é muito frágil, principalmente em momentos de retrocessos como esse em que vivemos. Vemos que os direitos das mulheres negras, por exemplo, são os primeiros a serem afetados. A sociedade se incomoda com os direitos conquistados, por exemplo, pelas trabalhadoras domésticas negras e como isso está também por trás das reformas trabalhistas e da Previdência. Por trás disso, está uma pergunta que a sociedade insiste a fazer que é: por que elas não fazem isso de graça? Por isso, voltando ao 13 de maio, é uma data histórica, mas uma data de luta contra um contexto que ainda nos violenta. É fundamental que as mulheres negras consigam se irmanar para criar espaços de fortalecimento.
Edição: Camila Maciel