Todos os dias, a capital paraense assiste pelos veículos de comunicação de programas policialescos que expõe a morte de jovens na periferia de Belém, a maioria vítimas de chacinas que ocorrem após a morte de polícias militares. A maioria formada por negros.
Um dos fatos foi a chacina de Belém, que aconteceu em novembro de 2014. Uma das 11 vítimas fatais foi o cunhado do contador David Silva, 41, Allersonvaldo Mendes. Na época, ele tinha 37 anos. Os assassinatos ocorreram em diferentes bairros da periferia da cidade após a morte do cabo Antônio Marcos da Silva Figueiredo (cabo Pety), membro da Rota Ostensiva Tática Metropolitana (Rotam) da Polícia Militar.
Passados dois anos dos 11 inquéritos, apenas dois foram a júri popular, sendo condenados: Otacílio José Queiroz Gonçalves, cabo reformado da Polícia Militar (PM), também conhecido como Cilinho, a 29 anos de reclusão por milícia privada e pelo assassinato o adolescente Eduardo Galúcio Chaves, de 16 anos, e José Augusto da Silva Costa, o Zé da moto, sentenciado a 15 anos de reclusão por homicídio qualificado pelo assassinato de Nadson Roberto da Costa Araújo. Ambos os assassinos foram são citados no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Grupos de Extermínio e Milícias no Estado do Pará. O inquérito de Mendes foi arquivado por insuficiência de provas.
Contra essa impunidade, a organização não-governamental (ONG) Anistia Internacional lança nesta terça (23), em Belém, a campanha Jovem Negro Vivo, que tem como objetivo debater e mobilizar a sociedade brasileira sobre genocídio da juventude negra. Segundo dados da própria ONG, 30 mil jovens, com idade entre 15 a 29 anos, são vítimas de homicídio no Brasil por ano. Desse total 77% são negros.
Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional, afirma que a juventude negra é o principal grupo afetado pelo alto índice de homicídios, e o Brasil é o país que apresenta maior número casos de assassinatos no mundo.
"Já chegamos a quase 60 mil homicídios por ano, e esse número vem subindo nos últimos anos. As autoridades brasileiras, em todos os níveis --estadual e federal--, falharam drasticamente em implementar qualquer medida para a redução de homicídios”, argumenta.
Ela destaca que, enquanto o número de homicídios entre homens e mulheres brancas vêm diminuindo, a violência contra homens e mulheres negras têm aumentado. Por isso, afirma Nader, o “elemento racial” deve ser analisado pelos governos ao tentar implementar políticas públicas para a redução de assassinatos.
A violência também afeta a família das vítimas. Depois da morte do cunhado, Silva ingressou em um grupo chamado Dhavida (Direitos Humanos contra Violência e pela Vida), criado por organizações e entidades que buscam fornecer apoio as famílias das vítimas. Isso porque a saúde da família se agravou depois da morte do parente:
“Foi uma mudança muito grande, com o agravamento da saúde dos pais dela [esposa], o agravamento da [saúde] minha própria esposa e da minha de certa forma".
O lançamento da "Jovem Negro Vivo" ocorrerá na noite desta terça (23) no auditório da Universidade Estadual do Pará (UEPA), do campus Djalma, e contará com a parceria de organizações locais como a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/Emaús), Centro de Estudo e Defesa do Negro (Cedenpa), Dhavida e Universidade Popular (Unipop).
Armas de fogo
Outro dado apresentado pela representante da Anista é que 70% dos homicídios cometidos no país são por armas de fogo. A partir disso, ela alerta que, sem um maior controle de circulação e acesso de armas letais, “certamente vai ter um impacto direto no número de homicídios”.
Um terceiro ponto destacado por ela são os casos de assassinatos de pessoas cometidos por policiais estando ou não em serviço. Neder conta que não há no país dados sistematizados de assassinatos cometidos pela polícia.
“Muitas vezes, as violações de direitos humanos começam ou estão fortemente associados à falta de acesso a informação e à falta de transparência. Então, é muito grave que um país que tenha uma das policias que mais mata não exista dados nacionais sobre isso”, enfatiza.
A assessora de direitos humanos informa que, nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, 25% do total de homicídios são cometidos por polícias que estavam em serviço, e acentua:
“E a gente não está contabilizando os homicídios provocados por policiais fora do serviço, que às vezes está organizada em as milícias e os grupos de extermínio”.
Diante do cenário de violência a campanha Jovem Negro Vivo busca dá visibilidade a essa parte da população. Segundo Neder, a “violência letal não afeta todas as pessoas da mesma forma”, os números provam que ela tem cor e classe social e explica.
“Então qualquer política de redução de homicídio tem que atentar para esse fato, tem que focar na redução dos homicídios na juventude negra”.
Serviço
Lançamento da campanha Jovem Negro Vivo em Belém (PA)
Data: Terça-feira, 23 de Maio
Local: Auditório da Universidade Estadual do Pará - UEPA - Campus Djalma Dutra Horário: 18h30 às 21h30 Entrada franca
Programação
18h15: Apresentação Cultural
Layssa Cristine conhecida como “Nega Ysa Mulher Negra”, cresceu no Candomblé, tem 22 anos e atua como atriz, rapper e faz apresentações de dança Afro.
18h45: Mesa de debate “Jovem Negro Vivo” com Anistia Internacional, CEDENPA, Dhavida, familiar de vítima da chacina de Belém e Unipop.
19h45: Apresentação
David Silva, familiar vítima da violência da chacina de Belém, apresenta sua música autoral composta em homenagem às vítimas de violência da cidade de Belém.
19h50: Apresentação
Moraes MC - Grupo TQSS
Apresentação de rap da cena periférica de Belém.
Edição: Camila Rodrigues da Silva