“Trancar não, acolher sim”, “Por uma sociedade sem manicômios”, “Queremos CAPS 3”, “Trancar não é tratar”, essas foram algumas das frases que podiam ser vistas em faixas e cartazes na manhã do último sábado (20), no bairro da Barra, em Salvador. Era a 10ª Parada do Orgulho Louco que ocupava e coloria a Avenida Oceânica com palavras em defesa da liberdade e diversidade.
O evento faz parte da agenda do mês da luta antimanicomial e é organizado pelo Coletivo Baiano de Luta Antimanicomial (CBLA), que envolve profissionais de saúde mental, familiares e usuários do CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Trazendo, neste ano, o lema “Pelo fim dos hospitais psiquiátricos! Cuidar em Liberdade é possível.”. Resultante da atual conjuntura de golpe e retrocessos, onde há uma movimentação de setores elitistas que defendem a manutenção dos Hospitais Psiquiátricos, pautados em interesses corporativistas, e fazendo oposição à Lei 10.216, que dispõe sobre a proteção, direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e dos serviços substitutivos.
Manicômio não é solução
Segundo a Psicóloga e militante do Coletivo Baiano de Luta Antimanicomial (CBLA), Laís Mendes, historicamente o tratamento da loucura se deu de forma imbricada com o modo que a sociedade se estrutura. As pessoas consideradas improdutivas – “velhas”, “loucas” e “doentes” – eram levadas para os antigos leprosários, que funcionavam como depósitos humanos. Nesses lugares, as pessoas eram amontoadas em condições subumanas. Os leprosários foram transformados, pelas classes dominantes, nos Manicômios. Que foram sustentados no período militar como lugar de fabricação da loucura para obtenção de lucro. “Os manicômios são o retrato cruel da perversidade do sistema capitalista; esse mesmo sistema que produz o adoecimento, principalmente de pessoas pobres, negras e mulheres, encarcerando e privando-as do seu exercício de cidadania e liberdade em nome do lucro e da dominação”, pontua.
Para ela, essa é mais uma forma de encarcerar e de manter os setores mais pauperizados da sociedade oprimidos e marginalizados. Ressalta que é uma lógica essencialmente racista, patriarcal e capitalista. “Ainda que a internação seja necessária em alguns casos, é importante que ela aconteça deslocada da lógica manicomial. Atualmente, existem Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) tipo III, com leitos, que servem para atendimento diário e noturno durante toda a semana. Aí entra importância do CAPS, pois diferente dos hospitais psiquiátricos, eles funcionam a partir de uma lógica de cuidado pautada na reinserção social.”, finaliza a psicóloga.
Além dos coletivos que têm participação de profissionais, usuários dos serviços e dos familiares, existem também associações de usuários e familiares, como é o caso da Associação Metamorfose Ambulante (AMEA), na Bahia, que foi a primeira associação do tipo no Brasil. Para Luciano Bittencourt, militante da AMEA e usuário do CAPS, “o usuário precisa ter uma rede apoio e a família faz isso. O apoio mais importante é aceitar o nosso adoecimento e entender que ser usuário não é ser inútil. Isso ajuda a pessoa a se sentir útil, a ter tarefas na vida”. Para ele, o importante é ter amor, afeto e confiança. “Na luta eu conheci pessoas e fui acolhido. Tenho mais uma ocupação. Quanto mais o usuário luta, ele sente que é útil e não vai se sentir inferior”, conclui Luciano.
Desafios da Luta Antimanicomial
A Luta Antimanicomial, surge no período das mobilizações pela redemocratização do país, a partir do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental. Em 1987 foi fundado o “Movimento da Luta Antimanicomial”, com o lançamento de um manifesto, em Bauru, São Paulo. Levando em consideração a importância da participação popular, principalmente das pessoas portadoras de transtorno mental e de seus familiares. Esse é o marco do surgimento da Luta Antimanicomial com o grito: “Por uma sociedade sem manicômios”.
Nesses 30 anos, um dos principais avanços foi a lei 10.216/2001, que garante direitos às pessoas com transtorno mental e coloca como finalidade do tratamento a reinserção social, a partir de uma outra lógica de cuidado. Tirando os hospitais psiquiátricos do lugar de referência, passando a atribuir essa função aos serviços substitutivos, os CAPS.
“Ao olhar o cenário político da cidade de Salvador, não podemos esquecer que gestão do Prefeito ACM Neto não tem priorizado a manutenção dos CAPS, que estão sucateados e sem recursos. Agora, mais do que nunca, nos colocamos em luta, por mais avanços e resistimos para não perder as conquistas alcançadas nos últimos períodos,” conclui Laís.
Edição: Monyse Ravena