Ainda esta semana, funcionários da Eletropaulo terminarão de instalar a fiação para energia elétrica na região da Vila da Paz, formada pelas comunidades Miguel Inácio Curi e Francisco Munhoz, localizada em Itaquera, Zona Leste de São Paulo. A distribuição de água já está regularizada e as obras do esgoto já estão na metade. Todas essas reivindicações foram pautadas pelos próprios moradores das comunidades, que desejam os avanços na urbanização e melhorias da área.
Há exatos 30 dias, no entanto, as famílias foram notificadas por representantes da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) da gestão do prefeito João Doria (PSDB) de que a Prefeitura pretende construir um corredor de ônibus passando sobre a comunidade e, consequentemente, remover centenas de pessoas. Em troca, a Prefeitura oferece uma bolsa-aluguel de R$ 400 mensais até que as famílias sejam reassentadas no empreendimento Safira do Minha Casa Minha Vida, ainda em construção.
Os moradores, no entanto, criticam a intenção da Prefeitura e a falta de um diálogo maior com as famílias. Para eles, a permanência na região que ocupam há cerca de 30 anos e que tem melhorado com a implementação dos direitos básicos solicitados por eles próprios é o cenário ideal.
"A remoção da comunidade não resolve o problema não. É piorar a situação", diz o agente comunitário Pedro Furtado, que mora na comunidade há 17 anos e representa a Associação de Moradores, ao comentar as recentes intenções reveladas pela Sehab. Para Seu Pedro, como é conhecido por todos, retirar as pessoas da região é romper com a rotina das famílias e os laços comunitários já estabelecidos. "Nós temos hospital, shopping, metrô, faculdade, tudo na porta. Não precisa sair para nada. Para as nossas crianças, as creches ficam aqui pertinho", completa.
Questionada pelo Brasil de Fato, a Prefeitura de São Paulo informou que, ao todo, 408 domicílios serão removidos. As lideranças da região, no entanto, trabalham com o número de 450 famílias.
Os moradores também argumentam que, assim como o acordo estabelecido com a Prefeitura em 2014, só aceitam uma negociação que, para fornecer segurança, comece com o modelo "chave por chave", ou seja, as famílias só sairiam do local quando o apartamento estivesse pronto para ser ocupado. No modelo atual dos termos de negociação da Prefeitura, não seria isso que aconteceria.
Interesse social
A área que corresponde à Vila da Paz foi, por luta dos moradores, estabelecida como uma Zona Especial de Interesse Econômico (ZEIS) tipo 1 na legislação urbanística de São Paulo, por meio do Plano Diretor de 2014, implantado na gestão de Fernando Haddad (PT). Caracterizadas pela presença de favelas ou loteamentos irregulares de população de baixa renda, as ZEIS 1 são estabelecidas para reconhecer o direito dos moradores à permanência, urbanização e regularização fundiária da região.
Para o advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM) e do Centro Gaspar de Direitos Humanos, Benedito Barbosa, o fato de a área ser uma ZEIS deve ser analisado com cuidado. Ele aponta que, em casos como esse, o Plano Diretor prevê a criação de um Conselho Gestor da ZEIS, do qual fazem parte representantes da comunidade em questão, eleitos por votação, e da Prefeitura. No caso da Vila da Paz, esse Conselho não foi criado.
Barbosa argumenta que isso é um problema porque minimiza os espaços de diálogo com os moradores da região. Esta semana, eles também tomaram conhecimento de uma reunião da Comissão de Avaliação de Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (CAEHIS), composta por membros da Prefeitura e apenas uma representante dos Movimentos Populares por Moradia.
"O fato é que a Prefeitura ignora esse problema porque já sai encaminhando os procedimentos" critica o advogado. "Por isso que a gente ficou surpreso com a pauta da reunião dessa Comissão Técnica, quando a gente estava inclusive pedindo uma reunião com a Prefeitura e eles disseram que vão marcar na primeira semana de junho", completou.
Questionada, a Prefeitura respondeu que o Conselho Gestor ainda não foi criado porque estão acontecendo os primeiros contatos com essas famílias. "O que a lei preconiza e o que está previsto na legislação será cumprido. A criação do Conselho se dá após os primeiros contatos e cadastramento das famílias", argumentou. Também disse que o encontro solicitado com as famílias "está previsto para os próximos dias."
Alternativa
Para a pesquisadora do Observatório de Remoções e engenheira ambiental e urbana Talita Gonsales, que acompanha a trajetória da Vila da Paz, existe uma alternativa técnica à proposta da Prefeitura que não levaria à remoção de nenhuma família da região. Na alternativa pensada pelo Observatório, a obra poderia ser desviada pelo contorno das comunidades. A possibilidade também diminuiria o orçamento total, uma vez que o não desalojamento traria a isenção do gasto com a bolsa aluguel para as mais de 400 famílias.
A questão central pautada pela pesquisadora, no entanto, é a ausência de justificativas apresentadas pela gestão municipal ao revelar a proposta. "Na apresentação da necessidade de remoção, a Prefeitura alegou que era o menor custo e que por isso foi escolhido o traçado, mas eles não mostraram questões técnicas do porquê é esse seria o menor custo", diz Gonsales.
Além disso, a pesquisadora aponta a ausência de justificativas para a escolha do local da construção. Isso porque passar o corredor na região da Favela da Paz não foi uma alternativa analisada pelo Relatório de Impacto Ambiental da obra estruturado em 2013, e sim uma alternativa que surgiu agora.
A reportagem levou os apontamentos realizados por Gonsales à Prefeitura, mas, apesar de termos aumentado o prazo para que a assessoria de imprensa respondesse, até o final desta apuração não obtivemos retorno sobre o orçamento total da obra nem os motivos técnicos para que a Secretaria Municipal de Habitação escolhesse a região da Vila da Paz para a instalação da via.
O observatório observaSP fez um mapeamento dos traçados do corredor de ônibus e mostra as mudanças realizadas pela Prefeitura no projeto:
Edição: Vanessa Martina Silva