Cinema

Filme conta história de trabalhadores escravizados pela OAS no aeroporto de Guarulhos

Brasil de Fato conversou com um dos diretores do documentário Terminal 3, que estreia nesta quinta-feira

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Marques Casara ressalta a vulnerabilidade dos operários migrantes no setor da construção civil
Marques Casara ressalta a vulnerabilidade dos operários migrantes no setor da construção civil - Reprodução - Trailer Terminal 3

Doze de agosto de 2013. Após 48 horas de viagem desde o interior de Pernambuco, um ônibus lotado de operários estacionou em frente ao escritório da construtora OAS, em Guarulhos. Começava, naquela noite, uma das ocorrências mais dramáticas de trabalho escravo da história do país. Mais de cem trabalhadores foram escravizados durante as obras do Terminal 3 do maior aeroporto do país, que ampliava sua estrutura para a Copa do Mundo de Futebol.

As violações de direitos na construção do terminal foram comprovadas por auditores fiscais e por procuradores pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Para evitar a condenação judicial, a OAS firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e desembolsou R$ 15 milhões, em um acordo com o MPT. Foi o maior valor firmado até então em um caso de trabalho escravo no território brasileiro.

Além de indenizar os trabalhadores e solucionar os problemas identificados nas obras do aeroporto de Guarulhos, o valor pago pela OAS financiou a execução de projetos sociais e educativos. Um desses projetos é o documentário Terminal 3, que estreia nos cinemas na próxima quinta-feira (1º). Selecionado para a 6ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, em São Paulo, o filme se propõe a contar o drama do trabalho análogo à escravidão sob o ponto de vista dos operários.

Marques Casara, um dos diretores do documentário, conversou com a reportagem do Brasil de Fato sobre a importância do debate sobre trabalho escravo em uma conjuntura nacional de retirada de direitos. Confira os melhores momentos da entrevista e a agenda de exibições em São Paulo:

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Brasil de Fato - Quanto tempo vocês dedicaram à produção do documentário? 

Marques Casara - Foram aproximadamente três meses, no final de 2016. Depois que a gente teve a ideia, começou o processo de identificação dos personagens. Foi a parte mais importante: tentar encontrar as pessoas que estiveram lá, nessa ocorrência [de trabalho análogo à escravidão]. Através de pesquisa nos relatórios e procedimentos investigatórios do Ministério Público do Trabalho, nós chegamos aos nomes dos trabalhadores e percebemos que boa parte deles tinha vindo de Petrolândia-PE. Teve também todo um processo de pesquisa paralela, de informações que nutriram o levantamento de dados. Depois, fomos para lá [Petrolândia], gravamos e montamos o documentário.

Qual a situação mais peculiar, ou que mais chamou a sua atenção no caso das obras da OAS em Guarulhos?

O que mais chama a atenção é, primeiro, a fragilidade em que se encontra o trabalhador da construção civil. E, principalmente, o trabalhador migrante. Muitas vezes, ele precisa se submeter a ações de grupos intermediadores de mão-de-obra que, em alguns casos, se aproveitam dessa fragilidade e recorrem ao trabalho escravo.

O segundo aspecto é a participação direta de grandes empresas. A OAS não é a única grande construtora que se beneficia do trabalho escravo. Todas as grandes construtoras estão imbricadas com o trabalho escravo, e nós temos dados [que comprovam essa situação]. No ano de 2017, elas ainda lançam mão de redes criminosas para obter mão-de-obra barata a ponto de ocorrer trabalho escravo.

A OAS tem sido muito citada no noticiário brasileiro devido aos casos de corrupção. O caso que vocês retratam no filme é gravíssimo, de conhecimento público, mas não encontra tanto respaldo na mídia comercial quanto as investigações de desvio de dinheiro ou caixa 2, por exemplo.

Há muito preconceito dos grandes meios de comunicação em relação ao trabalho escravo, e isso é influenciado pela elite econômica. As grandes corporações trabalham de forma subterrânea para promover retrocessos no enfrentamento do trabalho escravo, inclusive com ações de lobby junto ao Congresso. Eles tentam mudar leis que já foram aprovadas, tentam acabar com a Lista Suja. E os meios de comunicação que se sensibilizam com questões ligadas à corrupção não têm a mesma dedicação, nas suas investigações, para questões que envolvem trabalhadores e pessoas em situação de vulnerabilidade.

A origem do problema é a mesma: uma forma de gestão dos negócios que não leva em conta os direitos fundamentais, que não leva em conta a lei, e que busca prioritariamente obter lucro, não importa de que forma. Esse modo de operação é comum às construtoras, às incorporadoras, às empresas do setor do agronegócio. Elas se aproveitam da fragilidade política para promover ataques aos recursos naturais e às comunidades vulneráveis.

O enfrentamento do trabalho escravo, das violações de direitos e da corrupção deve caminhar junto. Não adianta olhar só para a questão econômica, que envolve somente interesses políticos, comerciais, e desconsiderar quem está na base da cadeia produtiva.

Depois de tantas violações de direitos, que estratégias essas empresas utilizam para continuarem parceiras dos governos, recebendo financiamentos públicos para os seus negócios?

O BNDES é o principal financiador do trabalho escravo hoje, no Brasil. Ele tem uma política de controle e acompanhamento das cadeias produtivas das empresas que, deliberadamente, oculta essas violações. O BNDES, hoje, opera a favor do trabalho escravo. 

Essas violações de direitos não são exclusividade da indústria nacional, certo? As multinacionais que atuam no Brasil reproduzem os mesmos ataques aos direitos fundamentais?

Sim. Temos cadeias produtivas que estão vinculadas a empresas europeias, norte-americanas, e financiam violações de direitos humanos no Brasil. E os grandes beneficiários da destruição da Amazônia, por exemplo, são corporações de capital multinacional. E temos vários outros exemplos no setor siderúrgico, no setor de alimentos, de madeira, na produção de carne, soja.

O documentário Terminal 3 será lançado em uma conjuntura de retiradas de direitos dos trabalhadores brasileiros. Qual a importância de se discutir o combate ao trabalho escravo em um contexto tão desfavorável para os operários?

Estamos discutindo a flexibilização da legislação trabalhista, da legislação ambiental, a diminuição das áreas de proteção ambiental. A população está, em grande medida, chocada com o que está acontecendo e "super nutrida" de escândalos. Mas é bacana atentar, principalmente, para as questões que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade.

A questão econômica é uma cortina de fumaça para esconder o agravamento da violência contra pessoas e comunidades em situação de vulnerabilidade. Especificamente, os povos indígenas, os pequenos agricultores e o trabalhador operário migrante. Não só na construção civil, mas no setor de alimentos, de fruticultura, de produção mineral.  E assistir um filme como esse pode ser interessante para as pessoas se informarem e entenderem como isso vitimiza as pessoas em situação de vulnerabilidade.

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Datas e locais de exibição do filme:

SÃO PAULO – JUNHO DE 2017

QUI 1º/Jun
16:00 – Circuito Spcine Centro Cultural São Paulo – Sala Lima Barreto

SÁB 03/Jun
15:00 – Fábrica de Cultura Jaçanã

SEG 05/Jun
15:00 – Cine Caixa Belas Artes

TER 06/Jun
15:00 – Fábrica de Cultura Vila Nova Cachoeirinha

QUA 07/Jun
14:30 – Fábrica de Cultura Capão Redondo

QUI 08/Jun
10:00 – Fábrica de Cultura Jardim São Luís

QUI 08/Jun
15:00 – Fábrica de Cultura Brasilândia

SEX 09/Jun
17:00 – Circuito Spcine Roberto Santos

DOM 11/Jun
18:30 – Cine Caixa Belas Artes
(Sessão precedida de um bate-papo com os diretores)

Edição: Brasil de Fato Paraná