Quando em 1994, do fundo da selva Lacandona, em Chiapas, México, surgiram, armados, os novos zapatistas, a proposta era trazer à luz a luta indígena por território, por autonomia e liberdade. Despontaram num momento único: no mesmo mês em que o México assinava o Nafta, acordo comercial com os Estados Unidos e Canadá, no qual era o primo pobre. Desde ali, a situação mexicana só piorou, enquanto que nas colunas zapatistas muitas conquistas foram realizadas.
A luta iniciada em Chiapas durou 12 dias em conflito armado, depois, com as negociações, conversas e mesas de diálogo, os confrontos cessaram, ainda que os chiapanecos seguissem no que chamaram de “paz armada”. Nesses 23 anos não foram poucas as batalhas travadas visando garantir a autonomia e o modo de governar escolhido pelos povos indígenas. E, durante todo esse tempo, os zapatistas seguiram um caminho no qual não estava colocada a possibilidade de inserção na vida institucional mexicana. Durante as campanhas presidenciais, eles adotavam a lógica da “outra campanha”, na qual percorriam o país, não chamando votos para um ou outro candidato, mas discutindo os problemas crucias do México.
Agora, os zapatistas decidiram trilhar um caminho diferente. Sem deixar de lado seus princípios de discutir profundamente a vida mexicana e garantir na força das armas sua autonomia, vão também entrar no jogo eleitoral. À moda zapatista, é claro, com uma maneira de organizar as coisas que é bem diferente da dos partidos tradicionais.
Em primeiro lugar decidiram que apresentariam ao povo mexicano uma mulher como candidata. Uma mulher indígena. E em segundo lugar, essa mulher indígena seria escolhida pelo Conselho Nacional Indígena para ser a voz de todos, como tem sido na luta zapatista. Será uma candidata que terá por compromisso mandar obedecendo, tal e qual ensina o bom governo zapatista, amparado em sete pontos fundamentais e inamovíveis:
1 – Servir e não servir-se
2 – Construir e não destruir
3 - Obedecer e não mandar
4 – Propor e não impor
5 – Convencer e não vencer
6 – Baixar e não subir
7 – Juntar e não isolar
A proposta de oferecer uma candidatura zapatista está amparada no contexto da Sexta Declaração da Selva Lacandona do Exército Zapatista de Libertação Nacional e firmada no quinto ponto, que explicita o que eles não querem fazer. E os zapatistas são claros na sua posição contra a globalização neoliberal e a favor de um país onde haja justiça, democracia e liberdade para todos e não apenas para os ricos.
A candidata
Nesse domingo, 28 de maio, no Congresso Nacional Indígena chamado pelos zapatistas, foi finalmente escolhido o nome da mulher que participará do processo eleitoral como candidata à presidência do México. É Maria de Jesus Patrício Martínez, de 57 anos, uma médica tradicional nahua, nascida em Tuxpan, Jalisco, conhecida na comunidade como Marichuy. Ela estará no processo como porta-voz do Conselho Indígena de Governo, criado na assembleia, com 71 membros, que será o fórum onde as decisões serão tomadas, dentro do modo de governar indígena.
O Congresso Nacional Indígena que deliberou pelo nome de Marichuy é composto por representantes indígenas dos 26 estados do país e têm como método discutir os temas até que todos estejam convencidos da decisão. As mesas de debate sobre o nome que os representaria nas eleições começaram no sábado de manhã, duraram 26 horas, e no domingo já havia um consenso.
Agora, com o nome decidido, vem a parte mais difícil que é a de conseguir inscrever Marichuy como candidata, já que eles não conformam um partido tradicional e registrado. Segundo as leis mexicanas uma candidatura sem partido pode ser postulada, mas deve acontecer a partir de um abaixo-assinado com, no mínimo, um milhão de assinaturas. Essa agora é a tarefa dos zapatistas: colher as assinaturas e preparar a campanha.
Na entrevista coletiva dada logo após a escolha, Mario Luna, representante do povo yaqui, deixou bem claro o método zapatista: “quem comanda a campanha é o Conselho, mas por conta da formalidade, o nome registrado será o de Marichuy. E a diversidade do Conselho não é um obstáculo e sim sua riqueza. Não estamos em uma campanha eleitoral, mas em uma campanha pela vida”.
Os zapatistas entendem que os partidos políticos partem de uma concepção individualista enquanto que os indígenas tem outra maneira de organizar a vida. Por isso, a proposta principal não é a de fazer uma campanha tradicional buscando votos, mas sim organizar o povo para desmontar o poder. “É um caminho coletivo e, não se confundam, não é uma luta pelo poder, mas uma luta civilizadora”.
Em 2006 os zapatistas estiveram na luta eleitoral com o que denominaram “Delegado Zero”, representado pelo subcomandante Marco, que andou pelo país realizando “a outra campanha”, discutindo com as gentes os grandes dramas do país. Mas, naqueles dias, foi uma ação paralela, fora da disputa. Para as próximas eleições eles estarão no processo, com uma candidata oficial, ocupando os espaços e tratando de expor suas propostas em nível nacional.
Entre os partidos de esquerda no México há muitas críticas a essa decisão dos zapatistas. Os políticos acusam os indígenas de estarem dividindo a esquerda, tirando votos de um possível candidato progressista. Mas, os zapatistas tem uma posição bastante clara, explicitada pelo comandante Filo: “Para nós, seja direita ou esquerda, tudo faz parte do mesmo projeto iniciado a 500 anos, do qual fomos excluídos. Por isso, vamos apresentar nossa proposta”.
Edição: IELA