O desmonte de políticas públicas nas áreas sociais, sobretudo aquelas voltadas à população mais pobre, a truculência de ações como a empreendida na região da Cracolândia desde o último dia 21 e o autoritarismo que marcam a adoção de todas as medidas, sem diálogo com a sociedade, pelo prefeito João Doria (PSDB), estão entre os motivos que uniram moradores, trabalhadores, militantes dos movimentos populares, sindicais, ativistas, jovens, ambulantes, ciclistas e grafiteiros na criação do Fórum em Defesa da Cidade, em São Paulo.
"Se o Doria está vindo com o trator, a gente vai construir o caminho para esse enfrentamento. E é de mãos dadas e braços dados que vamos conseguir. Só dessa forma vamos fortalecer os laços que a gente já tinha para fazer o enfrentamento ", disse o presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Sergio Antiqueira, durante ato de lançamento do coletivo nesta quarta-feira (31), que lotou um dos auditórios da Câmara Municipal.
Cracolândia
Muito aplaudido, o morador da região da Cracolândia, na Luz, Cosme Aleixo relatou o início da ação conjunta de Doria e do governador Geraldo Alckmin (PSDB), no domingo 21 de maio. "A ação desse prefeito foi injusta, nunca aconteceu algo parecido. Quando eram 4 horas da manhã começou a chegar carro de polícia, caminhões. Às 5, começou a ação que teve até guarda civil arrombando portas. Estávamos com nossas crianças dormindo, derrubando portas, apontando armas na cabeça de crianças, mesmo nós não sendo bandidos, mas trabalhadores dessa região", disse.
Referindo-se ao prefeito como "João Noia", maneira como ele passou a ser chamado pelos moradores da região, e a políticos tucanos em geral, Aleixo se queixou da humilhação sofrida por meio de suas políticas. "A gente é humilhado, tratado como se fosse lixo. Precisamos dizer aqui para o prefeito que quem deveria estar sendo internado é ele. Não nós, que moramos naquela região. E que enquanto ele não se aquietar, nós vamos fazer ação na Cracolândia."
Ciclovias
O projeto de acabar, paulatinamente, com as ciclovias, foi criticado pela ciclista Giulia Grilo. Moradora do bairro da Freguesia do Ó, ela ficou conhecida no final de abril ao oferecer flores ao prefeito tucano, em protesto pelo aumento no número de mortes devido ao aumento do limite de velocidade nas marginais – flores que Doria atirou ao chão.
A ciclista, que passou a se locomover por toda a cidade após a construção de uma ciclovia ao lado de sua casa, há três anos, entende que a atual gestão está fazendo "um terror" na cidade. "A gente está ouvindo que vão tirar as ciclovias que não são necessárias. E eu pergunto: necessárias para quem? Eu garanto que cada pedaço, cada centímetro de ciclovia que existe em São Paulo é necessária sim, necessária para a nossa segurança e também como berço, como mãe de futuros ciclistas", disse, destacando que quanto mais ciclofaixas pela cidade, haverá mais segurança, mais gente pedalando, menos carros, menos trânsito, menos poluição – e mais saúde.
Ela criticou também o aumento de velocidade nas marginais, que aumentou mais de 60% o índice de acidentes e de mortes. "O prefeito diz que os acidentes acontecem por conta da imprudência dos motoristas. Isso é óbvio. Só que os efeitos da imprudência de um motorista a 90 quilômetros por hora são muito piores que de uma imprudência de um motorista a 70 quilômetros. É uma questão de física. Nesse momento, os ciclistas estão todos angustiados. A gente sai de casa e não sabe que ciclovias eles estão pensando em retirar. Já tentaram retirar algumas e só não conseguiram graças ao cicloativismo", disse.
Dificuldade de diálogo
Para o vereador Antonio Donato (PT), o momento atual é adequado para a formação do Fórum. "É perceptível que a sociedade paulistana começa a entender a verdadeira face da gestão Doria. A ação na Cracolândia, o fracasso da Virada Cultural, a queda de secretários, o movimento pela saída do secretário da Cultura, André Sturm, indicam que o governo tem dificuldade de se relacionar com a sociedade. Aquela fantasia de gestor passou com o carnaval", disse.
Donato mencionou os ataques a programas que beneficiam os mais pobres, como o fim da distribuição do leite nas escolas para 916 mil crianças para a gestão economizar mais de 200 milhões de reais, e do transporte escolar gratuito, como indicativo de que o atual momento é adequado à formação do Fórum. "Mais do que nunca é hora de unidade de pessoas progressistas para que a gente possa esclarecer ainda mais a população. Além disso, temos de associar Doria ao governo Temer, que ele apoia por se tratar da mesma política."
Privatização da cidade
O dirigente do PCdoB paulistano Wander Geraldo criticou sobretudo a entrega da cidade a um projeto neoliberal que ainda não é compreendido pela maioria da sociedade. "A população não entende ainda que quando o patrimônio já construído é privatizado, entregam-se também os terrenos da cidade. É assim com o autódromo, o sambódromo, as bibliotecas, os parques públicos. Privatizar parques é entregar a terra da cidade e traçar um futuro trágico para nossos filhos. O mais caro na construção de uma UBS não é a obtenção do terreno. Então, é deixar um futuro sem creche, sem UBS", afirmou.
Geraldo destacou ainda o desemprego em curso pelas ações de Doria. Além do esvaziamento com os cortes de investimentos em políticas públicas, há ainda a expectativa de demissão de 14 mil cobradores de ônibus.
"Serão 14 mil pais de famílias desempregados em São Paulo. É a política do Michel Temer aqui na cidade. O poder público que poderia ser o maior indutor do desenvolvimento econômico e amortecedor dessa política de desemprego vai colaborar. É uma mentira dizer que eles passarão a ser motoristas. Não há a perspectiva de aumento da frota em 14 mil ônibus. Trata-se de mais uma das grandes mentiras que ele vem implementando."
E criticou o desrespeito de Doria pela participação via conselhos que foram constituídos em cada subprefeitura para interferir, opinar e participar das políticas públicas. "Um gestor privado arrogante, autoritário e que fez com que a população seja alvo desse merchandising mentiroso que ele faz. Uma 'cidade linda' inteiramente abandonada pelos cortes em equipes de poda de árvore, em obras de prevenção de enchentes, nas equipes que davam sustentação à zeladoria da cidade principalmente na periferia."
Caravana da cidade real
O presidente do diretório municipal do PT, Paulo Fiorilo, classificou o Fórum em Defesa da Cidade como 'caravana da cidade real', que necessita da participação de toda a população para denunciar que há uma obra parada ou políticas públicas sendo destruídas.
"O primeiro ato será na Brasilândia, zona norte, para mostrar a paralisação do hospital da Brasilândia. Vamos mostrar também o CEU na Freguesia do Ó, parado, e dialogar com as pessoas que estão vendo o que este governo vem fazendo. Depois será em Parelheiros, para mostrar a paralisação das obras de um hospital importante para a região sul", afirmou.
A primeira agenda do Fórum será na próxima terça (6), às 9h, na ocupação da Rua Mauá, região da Cracolândia. Um ato de resistência contra o despejo de moradores.
Edição: Rede Brasil Atual