As ações que pedem a cassação da chapa presidencial vencedora no pleito de 2014 chegam a seu momento final a partir desta terça-feira (6), quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retoma a questão.
São partes do processo o PSDB, autor das ações, e as defesas de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB). Os dois últimos pedem que o teor de delações premiadas – principalmente de Marcelo Odebrecht, João Santana e Mônica Moura – não sejam levados em conta no julgamento.
Em outro quesito, se dividem: os advogados do peemedebista pedem que a chapa seja julgada de forma separada, enquanto os defensores de Dilma apontam ser legalmente impossível tal divisão, já que a candidatura era única. O PSDB defende a divisão e pede que Temer seja isento. Recentemente, em áudio de gravação divulgado, o senador afastado Aécio Neves (MG) e ex-presidente do partido, afirma que a legenda formulou as ações apenas para "encher o saco" do PT.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Diogo Rais – professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, onde coordena o Observatório da Lei Eleitoral – explica as duas questões sob a perspectiva jurídica.
Rais defende que, apesar de a toda pressão política em torno do caso, é necessário que o TSE julgue de forma que privilegie a técnica jurídica: "Trazer questões econômicas e políticas é insalubre para todos. Nós precisamos de uma Justiça independente e quanto mais independente, mais responsabilidade. É papel dos ministros decidir com base no direito e no processo".
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Protelação
[No meio da votação], muitas coisas podem acontecer, como, por exemplo, uma questão de ordem – que já foi apresentada pelos advogados nas alegações finais que se refere à juntada das provas referentes às delações premiadas, da Odebrecht, por exemplo. Os advogados chamaram de fatos novos e não provas sobre fatos antigos. Essa questão de ordem pode tomar conta do primeiro debate a ser feito no Tribunal, porque, afinal, ela se refere a uma prova na qual com certeza se baseia o voto do relator. Se ela for considerada como inaplicável ao caso, deveria se retroagir para que seja desconsiderada.
A questão de ordem aparece antes, depois podem haver ainda questões preliminares, mais processuais, e, por fim, o mérito.
Pedido de vista
Outra questão é, superado aquele tema, ter um pedido de vista – quando um ministro que não é relator, não tem conhecimento profundo do processo diz: "Preciso conhecer melhor esse processo". Não há um prazo rígido para a devolução. Há uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dizendo que os pedidos de vista devem ter no máximo dez dias, mas não há punição [caso isso não seja respeitado]. É um recomendação. Os pedidos normalmente ultrapassam esse prazo. Essas são algumas hipóteses.
Brevidade do julgamento
Há possibilidade de o julgamento ser breve. Eu acho muito difícil. Estamos falando de um processo muito extenso e que envolve um alto impacto. Só o resumo tem mais de mil páginas. A questão de ordem pode provocar um adiamento. Se for considerado que não pode incluir as delações no processo, é necessário fazer um novo relatório. Isso daria um passo atrás.
Separação da chapa
Tanto a legislação quanto a jurisprudência – que são os julgamentos reiterados – seguem uma tradição de não dividir as chapas. O artigo 91 do Código Eleitoral fala da indivisibilidade de chapas. Muitos outros julgamentos também falam.
Por que essa indivisibilidade? No Brasil, não há candidatura isolada para presidência e vice-presidência. Os dois são registrados juntos. Depois da votação, se há algum problema com algum dos dois, não há como separar o que é de cada um. Não há a atitude em si, mas há a contaminação de chapa. Eu uso o exemplo metafórico de uma chapa de ferro: os dois candidatos estão em cima, quando há alguma questão, a chapa cai com os dois. Isso é tradição da Justiça Eleitoral.
Argumento de Temer
Há um caso levantado pela defesa [de Temer]. Foi um caso muito específico, que se refere a um falecimento. Me parece que se o TSE decidir pela divisão ele estaria inovando; embora ele possa. Ele não está vinculado aos próprios julgamentos, mas seria uma novidade interpretativa que produziria outros efeitos. Nós temos mais de cinco mil municípios, muitos com problemas semelhantes e que, certamente, iriam ao TSE para que o mesmo entendimento seja aplicado. Claro que isso poderia ser revisto pelo Supremo Tribunal Federal, que é quem tem a última palavra.
Decisão final
[Após a decisão do TSE] há um recurso muito possível que são os embargos de declaração. É um recurso curto, feito com base na própria decisão, se os advogados entenderem que há alguma obscuridade, omissão ou contradição [na decisão]. Para além dele, há também o recurso extraordinário dirigido ao presidente do TSE, mas que, caso seja aceito, é encaminhado ao Supremo.
Fatores políticos no julgamento
Essa é uma questão que me preocupa muito. O julgamento é apontado como o mais importante, muito mais pelo seu impacto do que pela matéria envolvida. É a primeira vez que uma chapa presidencial vai a juízo. Entretanto, sejamos sinceros, eu penso que o impacto é um dos maiores, sobretudo no momento em que vivemos.
O Tribunal Superior Eleitoral é visto como uma corte que considera mais questões políticas do que as outras. Entretanto, eu defendo que o julgamento deve se ater à questão jurídica. Trazer questões econômicas e políticas é insalubre para todos. Nós precisamos de uma Justiça independente, e quanto mais independente, mais responsabilidade. É papel dos ministros decidir com base no direito e no processo.
Desfecho do julgamento?
Não conseguiria fazer uma previsão. Se eu tivesse que apostar, penso que a questão de ordem a ser arguida tem grandes chances de tomar conta do debate. É um debate técnico muito difícil de se fazer, dependendo muito dos autos. Me parece que é a principal questão.
Diretas
Pela questão do biênio [metade do mandato] a regra geral é a indireta, mas outras possibilidades estão na mesa. É possível que isso vá ao STF. Primeiro, temos uma PEC tramitando. Se ela for aprovada, tem a possível questão da anualidade [prazo para uma alteração eleitoral valer], que consta no artigo 16 da Constituição. Se ela não for aprovada, há uma discussão sobre a incidência do artigo 224 do Código Eleitoral, uma espécie de "microssistema" que coloca eleição direta se sobrepondo à Constituição. Me parece que, de um jeito ou de outro, possivelmente o Supremo seja suscitado a responder sobre isso.
Edição: Vanessa Martina Silva