Se em algumas áreas é fácil identificar o emprego de mão de obra infantil – como na agricultura, onde estão ocupadas quase 65% das crianças entre 5 e 13 anos que trabalham no Brasil – outras categorias de atividades o trabalho infantil é pouco reconhecido.
Na avaliação da pesquisadora na área do Direito da Criança do Adolescente, Ana Christina Brito Lopes, a exploração cometida nos clubes de futebol de base é exemplo disso. “Às vezes a escolinha ou clube está mascarando uma atividade profissionalizante antes do que permitido a lei”, aponta.
Assim como em outras profissões, os jovens só podem estabelecer contrato com os clubes com idade acima aos 16 anos, ou após os 14 anos, na condição de aprendiz. Horas seguidas de treino e de outras atividades físicas costumam fazer parte da rotina dos jovens atletas, que em grande parte dos casos moram nos alojamentos dos clubes.
A Procuradora do Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), Cristiane Sbalqueiro Lopes aponta que, nos últimos dez anos, todos os clubes de futebol do Paraná tiveram representações judiciais por irregularidades relacionadas ao trabalho infantil nas categorias de base. Segundo ela, houveram registros de jovens trabalhando com idade inferior a 14 anos, de más condições nos alojamentos dos atletas e de falta de acompanhamento médico e pedagógico.
Em 2014, o MPT-PR entrou com uma Ação Civil Pública contra o Atlético Paranaense por irregularidades encontradas no clube. Condições de higiene precárias no local dos alojamentos e atletas com menos que a idade mínima exigida foram algumas das constatações.
Segundo a procuradora, o trabalho de fiscalização realizado pelo MPT tem trazido melhoras perceptíveis. “A realidade que encontramos no início não são as mesmas que encontramos agora, os alojamentos dos clubes estão bem melhores”, avalia.
Um sonho “puxado”
Aos 15 anos, José* saiu da casa dos pais no interior do Paraná e partiu rumo a Curitiba em busca de realizar o sonho de jogar futebol profissionalmente, em 2013. Mas viu que a realidade estava um pouco longe da expectativa. Joana, mãe de José, conta que o filho acordava todos os dias às 5h para ir até o campo de treino do Paraná Clube, em Piraquara.
Ficava o dia todo em treinamento, e voltava no fim da tarde para a casa de uma amiga da família, com quem ficou morando enquanto até passar em uma prova que permitia que ficasse no alojamento do clube. Nesse tempo, o estudante ficou sem estudar para se dedicar apenas aos treinos. Assim que entrasse oficialmente no time de base, voltaria para a escola. “Chorei bastante. Era contra ele largar o estudo para fazer isso, mas também era a favor dele buscar o sonho dele”, conta Joana.
Mas, após dois meses, José desistiu de continuar os treinamentos e voltou para casa. A mãe avalia que a rotina intensa de treinos, a pressão de ficar longe dos pais e outras situações que ocorriam dentro dos alojamentos contribuiu para isso. “Era bem puxado”, avalia.
Regra X cultura
Para a pesquisadora Ana Christina Brito Lopes, o fator cultural contribui para que a atuação de crianças e adolescentes nos clubes de futebol de base não seja considerada trabalho infantil, já que o esporte é um dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por essa razão, há dificuldade em encontrar registro de casos, uma vez que a própria comunidade não entende os treinos extenuantes como uma violação e não denuncia essas situações.
Muito importante para a formação e desenvolvimento das crianças, o esporte pode violar outros direitos da infância quando a prática é transformada em uma atividade profissional.
Segundo ela, o ingresso precoce nas escolas de futebol de base traz riscos físicos e psicológicos. “Começa a ser exigido do corpo da criança um treinamento muito forte, sem que ele esteja preparado. Também há a pressão para que ela vença”.
Além disso, a pesquisadora aponta que, por estarem morando nos alojamentos dos clubes, os jovens também acabam sendo privados do convívio familiar e comunitário. “Como a criança tem que se dedicar muito aos treinos, muitas vezes não sobra animação para que ela usufrua um tempo de lazer, de passeios e atividades culturais”, aponta.
*José e Joana são nomes fictícios
Edição: Ednubia Ghisi