Contestar as cotas raciais nos concursos públicos é ofender a Constituição. A afirmação é do jurista Silvio Luiz de Almeida. Nesta quinta-feira (15), a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da Lei das Cotas, que garante a reserva de 20% das vagas para pessoas negras em concursos públicos, completa uma semana. A lei estava sendo questionada em instâncias inferiores.
Além de advogado, Silvio é presidente do Instituto Luiz Gama, associação formada por acadêmicos, militantes de movimentos sociais e juristas que atuam na defesa das causas populares, principalmente na questão racial. É também doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito e atua como professor universitário na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco) e na faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O Brasil de Fato conversou brevemente, por telefone, com Silvio de Almeida sobre os motivos que fizeram com que o tema voltasse a ser discutido no STF e os impactos que o resultado dessa decisão terá nos próximos concursos públicos. Acompanhe a íntegra da conversa:
Brasil de Fato - Qual foi a motivação para o julgamento das cotas pelo STF neste momento, se a lei era de 2014?
Logo depois da promulgação da lei, uma série de questionamentos judiciais foram feitos e alguns juízes começaram a dar liminares interrompendo os processos de seleção dos concursos públicos. Começou com uma ação direta de constitucionalidade para que o Supremo se posicionasse no sentido de reconhecer a constitucionalidade das cotas raciais nos concursos públicos. Em resumo, do ponto de vista jurídico, foram as liminares que foram dadas questionando a constitucionalidade das cotas.
Qual o impacto que essa decisão terá a partir de agora? Na prática muda alguma coisa?
Muda porque a decisão do Supremo é uma decisão que tem um efeito que juridicamente nós chamamos de efeito vinculante e um efeito erga omnes. Ou seja, essa decisão acessa todas as decisões judiciais e não pode ser questionada pelos órgãos da administração pública. Um juiz não pode, sem o risco e o custo de ofender a Constituição, julgar de maneira contrária a constitucionalidade das cotas. O que o juiz pode fazer, eventualmente,é questionar o modo de implantação, os critérios, mas não se pode mais, no Brasil, questionar a constitucionalidade das cotas. Ainda que sejam cotas no mercado de trabalho, o impacto é que não poderá haver um questionamento sobre se as cotas são ou não compatíveis com a Constituição.
Em relação às falsas declarações de etnia, muita gente questiona a questão. Como é feita a verificação e como você avalia o método?
Eu acho que o Supremo até se posicionou em relação a isso quando ele falou das cotas raciais nos vestibulares ou processos seletivos das universidades. O Supremo decidiu que o critério deve ser de autodeclaração ou de heterodeclaração, ou seja, a Legislação pode prever que haja autodeclaração do candidato. Agora, pode também haver o que a gente chama de Comissão de Verificação em que a identidade do candidato vai ser objetivamente avaliada por uma comissão formada por especialistas. Inclusive, essa é a recomendação que tem dado o Ministério Publico Federal [MPF] nas fraudes dos concursos, quando começaram a ser denunciadas.
O MPF começou a recomendar que nos concursos haja a verificação [por meio de comissão] formada por especialistas em relações étnico-raciais para se diminuir o número de fraudes. Então, o Supremo disse que é preciso ter cotas e as técnicas para verificar quem serão os beneficiários são várias. Agora, quais são esses critérios? Isso tem que ser verificado de maneira muito cuidadosa até porque a questão racial no Brasil exige um cuidado especial e, por isso, os especialistas são muito bem-vindos e as comissões de verificação também são uma opção bastante interessante.
Edição: Vanessa Martina Silva (texto BdF e Radioagência)