O jornal francês Le Monde Diplomatique publicou, no começo do mês, um editorial a respeito da perseguição sofrida pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (CIRC) por parte da Monsanto.
O centro de pesquisas descobriu que o glisofato, principal componente do Roundup, pesticida da empresa estadunidense, é cancerígeno. Desde então, tem sido alvo de uma campanha de desqualificações por parte da Monsanto. O Brasil de Fato publica, a seguir, a íntegra do editorial:
“Monsanto Papers”: as lições de uma investigação
Desqualificação, ameaças e propaganda. Ações legais e pressões! Há dois anos, o Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (CIRC) é alvo de uma campanha sem precedentes, que fragiliza a organização em suas missões, comprometendo, até mesmo, o seu financiamento. Seu erro? Ter realizado o trabalho que lhe foi atribuído há quase cinquenta anos pelas Nações Unidas: identificar as substâncias cancerígenas e elaborar o inventário.
Em 20 de março, o CIRC ousou declarar o glifosato, princípio ativo do célebre herbicida Roundup da Monsanto, genotóxico, cancerígeno para o animal e, provavelmente, para o homem. Esta decisão atinge o pesticida mais vendido no mundo, uma substância que é também a pedra angular do modelo econômico da empresa estadunidense, fundada na venda associada do pesticida com as sementes geneticamente modificadas, que podem tolerá-lo.
Há dois anos, como relatou a investigação que o Le Monde publicou, a firma agroquímica estadunidense – que está prestes a ser adquirida pela alemã Bayer – não para de enfatizar a “ciência podre” do CIRC e usa de todas as suas redes para alimentar campanha de uma brutalidade espantosa e de amplitude inédita. Seu objetivo é macular gravemente a credibilidade e a reputação, não somente da organização internacional referência em matéria de câncer, mas também de todos os cientistas que, de uma forma ou de outra, colaboram para um trabalho de pesquisa independente sobre as causas desta enfermidade. Galvanizada pelo apoio tácito da atual administração estadunidense, a firma de Saint-Louis (Missouri) se comporta como se ela própria fosse um Estado, quando dirige-se ao CIRC e a sua casa-materna, a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esta campanha contra o CIRC foi também possível graças aos desacordos entre instituições de expertise, que a Monsanto não se priva de explorar. A Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA) e a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) consideram, com efeito, o glifosato como não sendo genotóxico e cancerígeno. Sem desqualificar, a priori, a existência possível de um debate científico sobre o tema, uma das explicações para este hiato é simples: essas agências de regulamentação não fundamentam suas opiniões a partir do mesmo tipo de dados. Elas atribuem um peso determinante aos estudos industriais confidenciais e avaliados por especialistas, muitas vezes, anônimos – estudos cuja interpretação e os dados permanecem, salvo exceções, inacessíveis à comunidade científica.
Estamos distantes dos procedimentos compatíveis com o espírito de transparência e de abertura da ciência. O CIRC, ao contrário, fia-se apenas em pesquisas publicadas na literatura científica e apoia-se em especialistas internacionalmente reconhecidos, escolhidos por sua competência e distantes de qualquer tipo de conflitos de interesses.
Assim, o Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer não somente não deve desaparecer, como quer a Monsanto, mas deve, evidentemente, servir de modelo para uma profunda reforma da expertise europeia. Somente assim cessarão as intermináveis polêmicas sanitárias ou ambientais que minam a confiança na Europa e alimentam uma suspeição, que diferentes escândalos sanitários recentes não contribuem para dissipar.
Edição: Edição: Vanessa Martina Silva/ Tradução: Vladimir Araujo