As histórias de luta de moradores e lideranças comunitárias que se engajaram no ativismo das periferias é o ponto de partida do projeto UniDiversidade de Saberes, no núcleo localizado na Zona Sul de São Paulo. A iniciativa, organizada por trabalhadores da cultura, que compõem redes e fóruns dos extremos da cidade, propõe encontros semanais e, nesta quarta-feira (21), a partir das 19 horas, convida líderes que se empenharam na luta pelos direitos humanos.
“A UniDiversidade é um desejo nosso, os moradores das periferias, de recontar a nossa própria história”, diz Fernando Ferrari, do Movimento Cultural das Periferias, um dos organizadores do evento. “Os moradores trazem à tona essa questão da memória de luta do bairro, recontada justamente por quem lutou”, completa Ferrari.
Além do ativista da cultura, participam do encontro, que acontece no Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) do Campo Limpo: Maria Reis, liderança comunitária do Parque Santo Antônio e que atua na luta por saúde; Neide Abati, da União Popular de Mulheres; Inácio da Silva, do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo, entre outros.
Nas últimas duas semanas, o UniDiversidade em Campo Limpo reuniu cerca de 300 pessoas, entre moradores, líderes comunitários e professores que também residem na periferia. Os encontros também acontecem nas outras três zonas da cidade (Norte, Leste e Oeste), cada uma com uma temática diferente.
“A gente dividiu por território. A Zona Norte discute comunicação popular. A Zona Oeste discute território. A Zona Leste discute economia e a gente da Zona Sul vem discutindo lutas populares e direitos humanos”, explica Ferrari.
Direitos humanos
Um dos participantes dessa quarta-feira, Inácio da Silva, é militante histórico de direitos humanos. Ex-padre, formado em Filosofia e Teologia, Silva atua desde os anos 1980 nas periferias de São Paulo, especialmente na região Sul de São Paulo, nos bairros do Capão Redondo, Campo Limpo, M'boi Mirim e Jardim Miriam.
“Achei bem legal a temática que eles propõem, que são as lutas a partir da perspectiva dos direitos humanos. Porque, o que a gente percebe é que, muitas vezes, a ideia de direitos humanos que vem sendo trabalhada pela mídia, ao longo dos anos, é a de defesa de bandidos e se trabalha muito pouco a ideia verdadeira de direitos humanos”, afirma Silva.
Segundo o ativista, é justamente a ideia de direitos humanos que permite com que as lutas se conectem e se entrelacem. “O direito à moradia, à saúde, educação... todos esses direitos pelos quais os movimentos se organizam, são todos direitos humanos”, aponta.
As reformas trabalhista e Previdenciária também devem ser tratadas neste mesmo âmbito, aponta o ativista. Para Silva, o momento que o país atravessa requer atenção especial aos direitos, principalmente nas periferias da cidade.
“Eu acho que, mais do que nunca, somos desafiados no campo popular, a articularmos as nossas lutas para enfrentarmos esse momento extremamente delicado de destruição de direitos e de ameaça aos próprios direitos humanos, que sistematicamente vêm sendo desrespeitados no Brasil”, diz.
A periferia, segundo o ativista, é um agente importante de mudança, mas que ainda não foi cativada pelos movimentos populares. “Estou convencido de que a periferia ainda não se manifestou, de fato, sobre essa situação que a gente vive no país. O morro não desceu no Rio de Janeiro. A periferia não falou ainda com todo o vigor que é necessário a gente ter nesse momento”, aponta.
Herança
As lutas desses líderes comunitários geraram impactos importantes na vida dos moradores das periferias paulistas. Ferrari explica, por exemplo, que, nos anos 1990, apenas três UBSs (Unidades Básicas de Saúde) atendiam a região do M'boi Mirim. Agora são mais de 30.
“Esse aumento foi através de muita luta e empenho dos próprios moradores. Muitas pessoas acham que as políticas públicas que chegam nas periferias, chegam de cima para baixo, como um vereador que trouxe a escola... Sempre tem essa lógica que algum político, de forma isolada, trouxe a obra. E quando as pessoas descobrem que não, que houve luta, uma inserção direta da comunidade, as pessoas ficam bem surpresas, porque a gente acaba legitimando algo que o próprio vizinho dele construiu”, diz o ativista.
Ferrari explica ainda que os encontros também são importantes para que tanto “a geração do presente, quanto a geração do futuro próximo tenham esse conhecimento, para que essas lutas não se percam”.
Edição: Vanessa Martina Silva