A organização Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social considera simbólica para a conjuntura política atual a decisão da 4ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por 4 votos a 1, que autorizou, nesta quarta-feira (21), o funcionamento do site Falha de S. Paulo, paródia do jornal Folha de S. Paulo.
O blog satírico, que trazia críticas ao conteúdo político do jornal de maior circulação do país, foi tirado do ar em 2010, após o início do processo realizado pela Folha, sob justificativa de que, por usar tipologia semelhante, a paródia violava sua marca e confundia os leitores. O voto do ministro Luís Felipe Salomão, primeiro a divergir do relator, o ministro Marco Buzzi, rejeitou a tese da Folha, por considerar que ambos os veículos são destinados a "públicos muito distintos".
No processo, a Folha alegava também que a Lei de Direitos Autorais proíbe, no artigo 47, paródias que sejam "verdadeiras reproduções da obra originária", causando "descrédito". O ponto também foi rejeitado por Salomão, que destacou a proteção à paródia para a manutenção da liberdade de expressão, prevista desde o primeiro Código Civil do Brasil, de 1916. Para organizações que lutam pelo direito à liberdade de expressão, o voto vencedor sustenta que a intenção da Folha com o processo era censurar as críticas realizadas pelo blog.
"Não há elementos que justifiquem materialmente essa suposta confusão entre a marca e o site, que a Folha alegou durante todo o processo. Por isso, na nossa avaliação, claramente o objetivo dessa ação era cercear um site que denunciava aspectos questionáveis do jornalismo exercido pelo jornal. É uma postura bastante antidemocrática de quem deveria defender a liberdade de expressão", opinou Beatriz Barbosa, coordenadora do Intervozes e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Bia destaca ainda que o Intervozes e outras organizações da sociedade civil chegaram, inclusive, a levar o caso para a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA). "A relatoria chegou a incluir o caso no informe anual, apontando como um problema sério no Brasil o fato de a justiça ter dado a decisão em primeira instância da retirada do ar de um site que claramente era uma paródia. Então, isso torna a decisão ainda mais importante, porque chegou a ter uma repercussão internacional", explicou.
Segundo o jornalista Lino Bocchini, um dos autores da Falha de S. Paulo, o blog recebeu o apoio de diversas organizações e personalidades durante o processo. "Decidimos ir até às últimas consequências, mesmo tendo sido muito custoso tanto pessoal quanto financeiramente, porque tivemos o apoio de muita gente. Recebemos apoio de toda a blogosfera brasileira, de ativistas pela liberdade de expressão, até o [Julian] Assange chegou a se pronunciar ao nosso favor, e o Repórter Sem Fronteiras soltou um comentário condenando a Folha. Mobilizou muito porque foi inédito, nunca um veículo de comunicação tinha usado seu poder econômico para censurar outros veículos no país", disse.
Lino conta que ainda não pensou sobre o formato em que a página voltará ao ar, e que o conteúdo não faz mais tanto sentido quanto há sete anos. "Ele tinha um contexto e uma história naquele momento. Sete anos de internet é muita coisa, o Facebook mal existia. A Folha tinha um poder muito maior na época, hoje ela não é nem uma sombra disso. Vamos pensar o que fazer com o domínio, mas achamos que pelo menos um site que traga a memória do caso e sirva de alerta para que isso não se repita será feito", afirmou.
Para o jornalista, no entanto, a decisão do STJ pode beneficiar até mesmo a Folha. "É uma vitória importante para a coletividade, inclusive para a própria Folha. Como é um caso inédito, abre jurisprudência. Se o jornal tivesse ganhado, abriria um precedente que poderia até mesmo prejudicá-lo, já que ela tem chargistas e cartunistas que se utilizam de paródias", opinou.
Beatriz Barbosa destaca que o Intervozes vem denunciando uma série de repressões à liberdade de expressão, e que a decisão jurídica simboliza uma conquista. "Chegamos a lançar uma campanha chamada 'Calar Jamais' para denunciar a escalada significativa da repressão de protestos, retirada de conteúdos na internet, censura nas redações e cerceamento à liberdade de expressão de forma geral. O caso da Falha de S. Paulo é simbólico para reafirmar a liberdade e a garantia desse direito. Nesse momento da conjuntura política, é importante fazer a crítica do jornalismo, principalmente em um país em que a concentração dos meios de comunicação tradicionais controla tão intensamente a opinião pública. A Falha fazia justamente isso e agora vai poder voltar a fazer".
Contatados pela reportagem por email, a assessoria de imprensa e os advogados da Folha de S. Paulo não concederam posicionamento sobre a decisão e as críticas trazidas na reportagem até a sua publicação.
Edição: Vanessa Martina Silva