Polêmica

Projeto de lei que enquadra movimento social na Lei Antiterrorismo avança na Câmara

Entidades emitiram nota de repúdio ao PL e ao substitutivo do relator que endurece lei; movimentos temem criminalização

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Criminalização de protestos tem sido grande preocupação de movimentos populares. Na foto,  militante reivindica liberdade de expressão
Criminalização de protestos tem sido grande preocupação de movimentos populares. Na foto, militante reivindica liberdade de expressão - Tomaz Silva/Agência Brasil

A Lei Antiterrorismo, aprovada no ano passado e bastante criticada por grupos da sociedade civil organizada, pode se tornar mais rígida a partir de agora. A constatação resulta do avanço da tramitação do Projeto de Lei (PL) 5.065/2016, que endurece pontos da legislação e pode ter o parecer apresentado nesta quarta (28) pelo relator, o deputado Hugo Legal (PSB-RJ), favorável à iniciativa. Como resposta à matéria, cerca de 60 entidades emitiram, nesta terça (27), uma nota de repúdio ao PL e ao substitutivo do pessebista.  

Entre outras coisas, o projeto inclui o caráter “político e ideológico” no rol de motivações que podem caracterizar crime de terrorismo e retira a salvaguarda para movimentos populares e manifestantes – o ponto mais polêmico na negociação entre os parlamentares à época da aprovação da Lei.

Para a advogada Camila Marques, do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (Artigo 19), as referidas alterações representariam risco para a liberdade de protesto dos movimentos sociais. Na avaliação dela e das demais entidades que assinam a nota, a medida visa à criminalização desses grupos.

“Nós sabemos que quem vai para a rua com pautas políticas, com demandas ideológicas são os movimentos sociais. Essa, inclusive, é uma atividade legítima e essencial em qualquer sociedade democrática. Fica claro que esse novo PL tem um objetivo certo, que é a criminalização, o silenciamento das ruas. Tirar a população das ruas é tirar a possibilitar de ela reivindicar seus direitos”, sustenta a dirigente.  

A advogada salienta que a edição da própria Lei Antiterrorismo já teria sido um retrocesso para o país, pelo caráter conservador. “Ela é alvo de amplas críticas da sociedade civil porque é uma lei com texto muito vago, genérico, que fica à mercê de interpretações de membros do sistema de Justiça, que, muitas vezes, fazem leituras bastante criminalizadoras”, destaca, acrescentando que o PL reforça o caráter conservador.  

Ao ampliar as condutas que podem ser tipificadas como terroristas, o PL insere, por exemplo, os atos de violência contra funcionários públicos. Para Marques, o destaque demarca uma espécie de assimetria entre o tratamento dado a servidores e aquele dispensado aos demais cidadãos.  

“Esse tipo de coisa é comum em regimes ditatoriais, militares, em que existe uma proteção muito maior dos agentes públicos. Mas uma democracia deve ser pautada pelo princípio da igualdade. A vida de todos deve ter o mesmo valor. A gente entende que essa previsão [do PL] é totalmente inadequada e até mesmo inconstitucional”, qualifica a dirigente. 

No rol do PL também constam, por exemplo, os danos a bens como ferrovias e rodovias. A advogada critica a cláusula pelo fato de esses não serem considerados bens essenciais: “É muito diferente alguém cometer um ato terrorista contra um hospital, por exemplo, que precisa funcionar pra garantir a vida humana, do que contra uma ferrovia. Vemos uma desproporcionalidade nisso”.

Parecer

O parecer do relator, deputado Hugo Legal (PSB-RJ), foi recebido com surpresa pelas entidades da sociedade civil organizada porque ele se posiciona pela aprovação da maior parte do PL e propõe ainda algumas alterações, que podem deixar a Lei mais restritiva.

Além de acolher a retirada da salvaguarda para movimentos sociais no substitutivo, o deputado defende, por exemplo, a ampliação das penalidades, que poderiam ser de 20 a 30 anos de reclusão em alguns casos, se o parecer for aprovado. “São multas altíssimas e muito desproporcionais”, considera Camila Marques.  

Para a assessora de advocacy da Rede de Justiça Criminal, Andresa Porto, a iniciativa desperta preocupação porque seria um incentivo à cultura do encarceramento. “O Brasil hoje tem uma das maiores populações carcerárias do mundo e num ritmo crescente. Não se tem dado atual sobre o assunto porque o último boletim do Ministério da Justiça é de 2014, mas a estimativa é de que já tenhamos alcançado um número maior do que o que havia na época. Proposições como essa levam o país a continuar seguindo essa onda de encarceramento, na contramão de outros países”, aponta.  

Representantes das entidades foram nesta terça (27) ao gabinete do relator, na Câmara, para entregar a nota de repúdio, mas foram informadas de que ele ainda não se encontrava no local. O documento foi entregue à equipe do parlamentar e o deputado ainda não se pronunciou sobre o assunto. O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do pessebista, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.  

Além das entidades, especialistas e alguns parlamentares de oposição assinam o documento, entre eles o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cezar Britto e os deputados Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS).     

Autoria

A matéria tramita atualmente na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCO) da Câmara, onde deve ter o parecer do relator apresentado nesta quarta (28), e é de autoria do deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG).

Para o parlamentar, as alterações seriam necessárias para aprimorar a Lei Antiterrorismo. Ele afirma que o PL estaria sendo vítima de interpretações equivocadas por parte de alguns segmentos.    

“A Lei [Antiterrorismo] não viu todos os aspectos do país. Meu negócio não é [enquadrar] quem vai protestar, e sim o pessoal que está realmente fazendo terror, usando armamento de guerra, explodindo caixas eletrônicos, tomando de assalto quartéis, causando verdadeiro pânico na população e trazendo como nunca o tráfico de drogas. Isso é terrorismo”, defende o deputado.

Sobre as críticas relacionadas à proposta de inclusão de atos contra funcionários públicos no rol da legislação, ele reitera que haveria problemas de interpretação em relação ao parecer. “As pessoas têm que entender o espírito da proposta”, finalizou.  

Trâmite

Caso seja aprovado na Comissão de Segurança Pública da Câmara, o PL 5.065/2016 deve ser encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para avaliação da constitucionalidade da matéria.  

Edição: Vanessa Martina Silva