A Lei Antiterrorismo, aprovada no ano passado e bastante criticada por grupos da sociedade civil organizada, pode se tornar mais rígida a partir de agora. A constatação resulta do avanço da tramitação do Projeto de Lei (PL) 5.065/2016, que endurece pontos da legislação e pode ter o parecer apresentado nesta quarta (28) pelo relator, o deputado Hugo Legal (PSB-RJ), favorável à iniciativa. Como resposta à matéria, cerca de 60 entidades emitiram, nesta terça (27), uma nota de repúdio ao PL e ao substitutivo do pessebista.
Entre outras coisas, o projeto inclui o caráter “político e ideológico” no rol de motivações que podem caracterizar crime de terrorismo e retira a salvaguarda para movimentos populares e manifestantes – o ponto mais polêmico na negociação entre os parlamentares à época da aprovação da Lei.
Para a advogada Camila Marques, do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (Artigo 19), as referidas alterações representariam risco para a liberdade de protesto dos movimentos sociais. Na avaliação dela e das demais entidades que assinam a nota, a medida visa à criminalização desses grupos.
“Nós sabemos que quem vai para a rua com pautas políticas, com demandas ideológicas são os movimentos sociais. Essa, inclusive, é uma atividade legítima e essencial em qualquer sociedade democrática. Fica claro que esse novo PL tem um objetivo certo, que é a criminalização, o silenciamento das ruas. Tirar a população das ruas é tirar a possibilitar de ela reivindicar seus direitos”, sustenta a dirigente.
A advogada salienta que a edição da própria Lei Antiterrorismo já teria sido um retrocesso para o país, pelo caráter conservador. “Ela é alvo de amplas críticas da sociedade civil porque é uma lei com texto muito vago, genérico, que fica à mercê de interpretações de membros do sistema de Justiça, que, muitas vezes, fazem leituras bastante criminalizadoras”, destaca, acrescentando que o PL reforça o caráter conservador.
Ao ampliar as condutas que podem ser tipificadas como terroristas, o PL insere, por exemplo, os atos de violência contra funcionários públicos. Para Marques, o destaque demarca uma espécie de assimetria entre o tratamento dado a servidores e aquele dispensado aos demais cidadãos.
“Esse tipo de coisa é comum em regimes ditatoriais, militares, em que existe uma proteção muito maior dos agentes públicos. Mas uma democracia deve ser pautada pelo princípio da igualdade. A vida de todos deve ter o mesmo valor. A gente entende que essa previsão [do PL] é totalmente inadequada e até mesmo inconstitucional”, qualifica a dirigente.
No rol do PL também constam, por exemplo, os danos a bens como ferrovias e rodovias. A advogada critica a cláusula pelo fato de esses não serem considerados bens essenciais: “É muito diferente alguém cometer um ato terrorista contra um hospital, por exemplo, que precisa funcionar pra garantir a vida humana, do que contra uma ferrovia. Vemos uma desproporcionalidade nisso”.
Parecer
O parecer do relator, deputado Hugo Legal (PSB-RJ), foi recebido com surpresa pelas entidades da sociedade civil organizada porque ele se posiciona pela aprovação da maior parte do PL e propõe ainda algumas alterações, que podem deixar a Lei mais restritiva.
Além de acolher a retirada da salvaguarda para movimentos sociais no substitutivo, o deputado defende, por exemplo, a ampliação das penalidades, que poderiam ser de 20 a 30 anos de reclusão em alguns casos, se o parecer for aprovado. “São multas altíssimas e muito desproporcionais”, considera Camila Marques.
Para a assessora de advocacy da Rede de Justiça Criminal, Andresa Porto, a iniciativa desperta preocupação porque seria um incentivo à cultura do encarceramento. “O Brasil hoje tem uma das maiores populações carcerárias do mundo e num ritmo crescente. Não se tem dado atual sobre o assunto porque o último boletim do Ministério da Justiça é de 2014, mas a estimativa é de que já tenhamos alcançado um número maior do que o que havia na época. Proposições como essa levam o país a continuar seguindo essa onda de encarceramento, na contramão de outros países”, aponta.
Representantes das entidades foram nesta terça (27) ao gabinete do relator, na Câmara, para entregar a nota de repúdio, mas foram informadas de que ele ainda não se encontrava no local. O documento foi entregue à equipe do parlamentar e o deputado ainda não se pronunciou sobre o assunto. O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do pessebista, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.
Além das entidades, especialistas e alguns parlamentares de oposição assinam o documento, entre eles o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cezar Britto e os deputados Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS).
Autoria
A matéria tramita atualmente na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCO) da Câmara, onde deve ter o parecer do relator apresentado nesta quarta (28), e é de autoria do deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG).
Para o parlamentar, as alterações seriam necessárias para aprimorar a Lei Antiterrorismo. Ele afirma que o PL estaria sendo vítima de interpretações equivocadas por parte de alguns segmentos.
“A Lei [Antiterrorismo] não viu todos os aspectos do país. Meu negócio não é [enquadrar] quem vai protestar, e sim o pessoal que está realmente fazendo terror, usando armamento de guerra, explodindo caixas eletrônicos, tomando de assalto quartéis, causando verdadeiro pânico na população e trazendo como nunca o tráfico de drogas. Isso é terrorismo”, defende o deputado.
Sobre as críticas relacionadas à proposta de inclusão de atos contra funcionários públicos no rol da legislação, ele reitera que haveria problemas de interpretação em relação ao parecer. “As pessoas têm que entender o espírito da proposta”, finalizou.
Trâmite
Caso seja aprovado na Comissão de Segurança Pública da Câmara, o PL 5.065/2016 deve ser encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para avaliação da constitucionalidade da matéria.
Edição: Vanessa Martina Silva