O Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP) aprovou a política de cotas para alunos de escolas públicas e autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI) nos cursos de graduação da instituição a partir de 2018, em uma decisão que, segundo Luana Alves, aluna que integra o Conselho Universitário da USP, é a “quebra de um tabu”. A decisão foi tomada na noite de terça-feira (4),
“É uma das decisões mais significativas, do ponto de vista político da USP, eu acho que das últimas décadas. É a quebra de um tabu e o reconhecimento pela Universidade da força do movimento social, do movimento negro e estudantil”, diz Alves.
Até então, a universidade paulista era a única a não ter adotado a política de cotas para ingresso nos cursos de graduação. O ingresso de PPI na instituição, no entanto, será feito de maneira gradativa. No próximo ano serão 37% das vagas, em 2019, o número vai subir para 40%, em 2020, 45%, até que em 2021, as cotas estarão destinadas a 50% das vagas dos cursos da instituição.
Para o professor Dennis Oliveira, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) e um dos únicos chefes de departamento negros da USP, a aprovação é produto de “muito enfrentamento”, já que, desde 2002, coletivos e o movimento negro lutavam por cotas na universidade.
“Com a aprovação das cotas na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], em maio desse ano, e um pouco antes, uns dois anos atrás, das cotas da Unesp [Universidade Estadual Paulista], a USP ficou na condição vergonhosa de ser a única universidade sem cotas raciais. Isso fortaleceu ainda mais o movimento interno da universidade”, explica o professor.
Ele lembra que os professores que se engajaram no processo também foram importantes para a aprovação das cotas. “Começou com o professor Fernando Conceição, que era do Núcleo de Consciência Negra da USP e hoje é professor da Federal da Bahia. Agora vários professores foram tomando posição favorável às cotas raciais e isso contribuiu bastante também”, afirmou.
Segundo Luana Alves, na última segunda-feira (3), uma reunião de conselheiros da universidade, entre eles professores favoráveis à adoção das cotas, formou um campo “progressista dentro do Conselho Universitário”. A aluna afirma que a essa formação foi uma resposta ao “tom de intimidação que o reitor sempre teve no Conselho”.
Surpresa
A aprovação das cotas no Conselho Universitário era “impensada”, segundo Diogo Dias, diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) Livre da USP e representante no Conselho de Graduação da Universidade. “Não estava vendo como uma possibilidade”, afirma. “No Conselho de Graduação anterior, em que se votou essa proposta feita por estudantes, ela não foi aceita”, lembra o aluno.
O Conselho Universitário, lembra Dias, “é o local mais conservador da Universidade”. “O reitor [Marco Antonio Zago] tem uma maneira antidemocrática de conduzir os debates por lá. Então é uma felicidade imensa [este momento] porque a USP, pela primeira vez, aprovou as cotas, no vestibular mais concorrido do Brasil, que é o vestibular da Fuvest”, comemora.
Luana Alves lembra que o Conselho Universitário, formado por professores, diretores de instituto e presidentes de congregação, “é um Conselho com professores muito antigos, muito intrincado naquela burocracia universitária. Então, dificilmente ele se contrapõe à reitoria”, destaca a aluna.
Alves lembra ainda que os movimentos negros angariaram outra vitória na noite da última terça: a garantia de que a aprovação vai ser implementada em 2018, por meio de um processo de acompanhamento. “É uma comissão de acompanhamento, feitas nos moldes da Unicamp”, afirma. “Um pessoal de movimento social, de notória participação em movimentos de educação popular e movimento negro, estará nessa comissão, mesmo que não sejam vinculados à universidade”, explica.
“A reitoria acatou. Acho que a gente vai criando jeitos de conseguir estar nesse processo de implementação, a gente tem que estar na pressão", diz.
Divida histórica
O professor Dennis Oliveira lembra que o próprio governo do estado de São Paulo estabeleceu uma meta para as universidades estaduais de São Paulo: que elas tivessem, até 2018, 50% de seus alunos de escolas públicas e um percentual de 37% de alunos negros e indígenas.
“A USP está muito longe dessa meta ainda. Os últimos dados, com Sisu, com bônus, etc, chegaram a 37% de escolas públicas. De negros e indígenas muito menos do que isso. Por conta dessa distância da meta que o próprio governo estadual estabeleceu, também foi um item de pressão para que a USP mudasse sua posição”, afirma Oliveira.
Segundo a Universidade de São Paulo, neste ano, foram registrados recordes no número de ingressantes oriundos de escolas públicas nos cursos de graduação, que passaram de 3.763 (34,6%) em 2016, para 4.036 estudantes (36,9%) em 2017.
Para Luana Alves, as cotas representam “uma mudança de paradigma da juventude negra do estado, porque a USP não é uma realidade na vida dos jovens negros e [dos] pobres”.
O diretor do DCE Livre da USP também reconhece que a decisão terá um impacto muito grande, tanto para os negros e indígenas, quanto para a própria Universidade. “A USP reconheceu que é uma instituição que tem uma dívida histórica com a população negra e com a população indígena, que foram povos oprimidos”.
“Para além disso, as cotas vão permitir que as populações excluídas ocupem espaços de poder, que foram historicamente excluídos. A gente não está incluso no ensino superior, somos poucos dentro da USP e isso vai transformar radicalmente a Universidade”, afirmou Diogo Dias.
Segundo o professor da ECA, grande parte da sociedade civil não acha importante defender a USP, por achar que a Universidade é elitista. “Esse diagnóstico é correto, mas a Universidade de São Paulo é também aquela que forma a maior parte dos quadros dirigentes do Brasil”, diz.
“Uma universidade com perfil elitista, reproduz o pensamento elitista, que corrobora e vai repercutir também nessas instâncias de poder. Se você democratiza o acesso à universidade, você vai ter um espaço maior para pensar as linhas de pesquisa, os processos de construção de conhecimento na universidade e com isso formar pessoas com perfil distinto do que se forma hoje. E isso vai ter impacto nessas instâncias de poder que existem hoje”, completa o professor.
Edição: Rafael Tatemoto