Memória

Belém: Sindicatos resgatam histórias de trabalhadores perseguidos no regime militar

Em audiência pública, sobreviventes deram relatos a grupo de trabalho que investiga crimes no Ministério do Trabalho

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Segunda audiência pública do grupo de trabalho que investiga os processos de perseguição política no Ministério do Trabalho
Segunda audiência pública do grupo de trabalho que investiga os processos de perseguição política no Ministério do Trabalho - Daiane Coelho / Frente Brasil Popular

O grupo de trabalho (GT) que investiga a ação do Ministério do Trabalho durante o período da ditadura militar realizou a segunda audiência pública nesta quinta-feira (6), em Belém (PA). Na sede da seccional Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA), dirigentes das centrais sindicais e trabalhadores filiados, que tinham atuação política contra o regime da época, prestaram depoimentos sobre a repressão que sofreram.

Compõem o GT nove centrais sindicais, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (Iiep). Criado ano passado, o grupo foi formado dentro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), mas as atividades foram interrompidas devido à crise política e foram retomadas no final de novembro de 2016.

Segundo Sebastião Neto, coordenador do Iiep, as audiências públicas são importantes para resgatar a história dos trabalhadores que foram perseguidos e torturados durante o regime. A partir dos relatos dos sobreviventes e parentes das vítimas é possível escrever um outro enredo, bem diferente do que é narrado pela “classe dominante”.

“A gente está contandoo a história dos trabalhadores no Brasil que não foi contada. A história [oficial] foi contata pelas classes dominantes. Uma questão muito importante que saiu dos sindicatos dos bancários é que as empresas tiveram motivação para cooperar com a ditadura: cooperaram e tiveram vantagens econômicas.  Aí, se descobre realmente a quem interessou o crime de perseguição contra os trabalhadores”, afirma.

O Iiep está à frente do trabalho do qual fazem parte pesquisadores, educadores e sindicalistas. A partir da investigação feita pela entidade, os membros conseguiram identificar mais de cinco mil caixas com documentação em três locais de Brasília: na própria sede do Ministério do Trabalho, na Esplanada; no Arquivo Nacional e no Centro de Referência do Trabalhador Leonel Brizola. Documentos estes em estado “deteriorado”, segundo Neto.

Investigação e violações

O GT da Comissão da Verdade do Ministério do Trabalho visa investigar como as empresas colaboravam com o governo militar. A atuação das companhias foi pauta de investigação da CNV, que teve suas atividades encerradas em dezembro de 2014. O grupo prepara um relatório final que deve ser divulgado em dezembro deste ano sobre os temas pesquisados.

Durante a audiência, Mônica Brito, secretária da Intersindical, uma das centrais presentes, falou à plenária que empresas que hoje financiam a expansão da monocultura na região do oeste do Pará e grandes obras na região do Xingu são as mesmas que perseguiram os seus trabalhadores durante o regime militar.

“São empresas que financiaram a tortura brasileira, que acabaram com o sonho de muita gente de forma antecipada”, sustentou

No evento foram homenageados Raphael Martinelli, ex-militante do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e um dos fundadores da  Ação Libertadora Nacional (ALN); o vereador Fernando Carneiro (PSOL-PA); o petroleiro Raimundo Gomes e o trabalhador rural de Nova Timboteua (PA) Manoel Fernandes. Todos com histórias sobre perseguição política sofrida durante o período militar.

Manoel Fernandes, trabalhador rural de Nova Timboteua no Pará / Daiane Coelho - Frente Brasil Popular

A ditadura militar também perseguiu os camponeses na região amazônia, infiltrando nos sindicatos rurais pessoas que atendiam aos mandos do governo, como ocorreu em Nova Timboteua. Fernandes relatou que o sindicato, na época, possuía um caráter assistencialista e não permitia que as mulheres se filiassem. Ele lembra que, na década 1980, iniciou uma campanha de retomada do sindicato das “mãos dos pelegos” e no enfrentamento chegou a ser expulso: “Eu cheguei justamente pedindo mais, nós éramos 31 companheiros, chegamos a ser expulsos do sindicado. Os pelegos convocaram uma assembleia para nós expulsar do sindicato em 82 e só retornamos para o quadro social em 86”, recorda.

Também presente na ocasião, Juliana Fonteles, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA, apontou a permanência de perseguição política no atual contexto brasileiro, lembrando do pai – o também advogado Paulo Fonteles, perseguido político e assassinado a mando de latifundiários ligados a União Democrática Ruralista (UDR), organização criada em meados de 1980 – e do irmão, Paulo Fonteles Filho, atualmente fora do estado por sofrer ameaças de morte devido sua atuação combativa em defesa dos direitos humanos.

*Com informações da Rede Brasil Atual

Edição: Rafael Tatemoto