Memória

Ecléa Bosi, uma voz dedicada aos explorados e esquecidos

Para a psicóloga e professora, que faleceu nessa segunda-feira (10), enraizar-se é um direito humano fundamental

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Para Marilena Chauí, Ecléa representava a coerência permanente, "voz tensa como um sino de onde saltam badaladas de esperança"
Para Marilena Chauí, Ecléa representava a coerência permanente, "voz tensa como um sino de onde saltam badaladas de esperança" - Marcos Santos/USP Imagens

Ecléa Bosi declarou, em uma entrevista de 2012, que considerava o "enraizamento", em um espaço ou em uma comunidade, um direito humano fundamental. "O desenraizamento a que nos obriga a vida moderna é uma condição desagregadora da memória", afirmou a psicóloga e escritora, que morreu nessa segunda-feira (10), aos 80 anos, em consequência de um ataque cardíaco.

A professora era casada com o crítico e historiador Alfredo Bosi. Deixou dois filhos, os também professores Viviana e José Alfredo, e dois netos. O velório foi realizado no Cemitério São Paulo (Rua Cardeal Arcoverde, 1.250, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo) e o sepultamento ocorreu nesta terça-feira (11), às 9h.

A Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) decretou três dias de luto oficial. Foi ali que Ecléa graduou-se em Psicologia em 1966, com mestrado e doutorado em Psicologia Social na mesma instituição. Era professora emérita da USP.

A pensadora escreveu, entre outras obras, Memória e Sociedade - Lembranças de Velhos (1994), livro relançado neste ano e considerado fundamental para a compreensão da formação operária brasileira. A esse respeito, o professor Paulo Sérgio Pinheiro afirmou que se trata de "um manancial de ensinamentos sobre a participação política e o mundo do trabalho no Brasil", com história do dia a dia dos imigrantes, dos operários e dos trabalhadores domésticos. 

Durante evento no Cemitério do Araçá, hoje, pelos 100 anos da primeira greve geral no país, o jornalista Sérgio Gomes citou Cultura de Massa e Cultura Popular - Leituras de Operárias (1973), livro que considera "seminal" para quem lida com comunicação voltada para os trabalhadores. "Eles perderam uma aliada poderosa."

Em outra entrevista, de 2014, se destaca a atenção de Ecléa para "grupos sociais fragilizados", como pobres, trabalhadores de baixa renda e idosos. Ela foi idealizadora do projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, que segundo a USP atende anualmente a 9 mil pessoas com mais de 60 anos. 

"Certa vez, Ecléa me presenteou com um livro chamado A Firmeza Permanente. Eu quero, aqui, falar do traço mais marcante de Ecléa: a coerência permanente, uma voz tensa como um sino que repica alegremente para, de súbito, soar com a gravidade de um dobre prolongado do qual, de repente, salta uma nova nota, uma badalada cheia de esperança", diz a filósofa Marilena Chaui, em texto em homenagem à psicóloga escrito em 2008. Ela cita um trecho do livro sobre as leituras de operárias: "Assumir uma visão operária do mundo é um exercício difícil, um limite que tentamos alcançar, um caminho a percorrer".

Segundo ela, o paulistano é um "migrante urbano", lembrando que ela mesma mudou várias vezes de casa. Em todas, plantou um pomar. "A vida é um pouco isso, plantar árvores frutíferas, pedindo a Deus que alguém esteja lá depois saboreando os frutos."

Edição: RBA