O México é o país latino-americano que viveu o programa neoliberal aplicado sem anestesia, com choques permanentes no conflito entre “os de baixo e os de cima”.
Um segundo Estado se formou, coordenado pelo narcotráfico. Ao Estado de fato coube o braço de repressão a movimentos organizados e à massa empobrecida.
A flexibilização extrema do trabalho levou à violência contra as mulheres das fábricas na fronteira com os EUA, à migração, à volta de jornadas de trabalho que o imaginário remete ao século 19.
Em suma, à falta de um sentido de futuro.
Alguma semelhança com a proposta para o Brasil pós-abril de 2016?
Até pouco tempo, a luta era por mais investimento, caso da bandeira de 10% do PIB investido na educação a partir de recursos do pré-sal. Falava-se também nesse investimento na pasta de saúde. A taxa de juros baixava no período Dilma e finalmente se falava na reindustrialização e no desafio para além de sermos importadores – de ideias e produtos de segunda mão.
Centenas de questões essenciais, é fato, não eram tocadas, caso de uma reforma urbana e reforma agrária de fato popular, como agora aponta o Plano Popular de Emergência da Frente Brasil Popular. Mas havia um sentido de público, que o golpismo quer enterrar também.
O que estamos vivendo desde o golpe é o desmonte do Estado social, de pactos estabelecidos no período Vargas, na reabertura dos anos 1980 e expressos na Constituição.
O que restar do Estado será vinde “a nós protestar e tomarás um porrete”. No Paraná, por exemplo, os trabalhadores vivenciaram, em dois anos, a repressão do dia 29 de abril contra os servidores estaduais, o pacotaço bufão do prefeito Rafael Greca contra os servidores municipais e o Carnaval do ovo no casamento do clã Barros – contra o povo.
O casamento de Maria Victoria – filha do ministro da Saúde, Ricardo Barros e de Cida Borghetti, vice-governadora –, podia ter sido num belo sítio da região metropolitana de Curitiba. Só que, em plena semana de condenação do ex-presidente Lula e da aprovação de uma reforma trabalhista à la Espanha, a rainha Victoria tripudiou num espaço que é da juventude pobre da capital.
Não foi coincidência o furor de quem estava lá, encarando uma PM vacilante, pouco à vontade em mais uma roubada promovida pelos governantes.
No Brasil, o pacto de classes sociais que permitiu mais de 10 anos de estabilidade foi rompido do lado de lá. Arrogantes, as próprias elites abriram a caixa de pandora e a luta de classes começa a se dar de forma aberta.
Com isso, observamos episódios de violência se acentuado contra os movimentos organizados. Somente no campo, em menos de um ano, tivemos o assassinato do militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), José Raimundo Mota de Souza Junior, 38 anos. O massacre da cidade de Pau D´Arco, no Pará, levou dez vidas. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 46 assassinatos de lideranças do campo ocorreram em 2017. Para a CPT, 2016 teve 1.079 ocorrências de conflitos por terra no país, um crescimento de 40% comparado a 2015, quando foram 771.
Já o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) revela que 66 defensores dos direitos humanos foram assassinados no Brasil em 2016. As regiões Norte e Nordeste concentram a maior parte dos casos.
Conflito e reação dos trabalhadores
A Lava Jato vai chegando ao seu final, com um saldo de seletividade, de ramos inteiros da economia e postos de trabalho fechados, enquanto uma verdadeira reforma política segue fora da agenda – como apontam os materiais produzidos pelo repórter Daniel Giovanaz, no Brasil de Fato Paraná.
A cassação da candidatura de Lula se insere nesse contexto: é talvez o único candidato com chances de vitória que deve acenar um programa com a retomada de políticas e investimentos públicos (limitados ou não) – enquanto o golpismo busca entregar saúde, previdência e demais serviços à banca financeira.
A aposta da elite é alta. Ganhando as primeiras rodadas, fica embriagada e segue apostando mais alto. A elite confunde a fragilidade organizativa da esquerda e não atina com a possível reação explosiva dos de baixo.
A greve do dia 28 de abril e outras lutas têm sinais de espontaneidade. São ondas que acalmam e logo crescem de volta. Não era sequer a melhor hora para o conflito estourar, do ponto de vista de uma classe trabalhadora jovem, precarizada, que ainda se recompunha, em meio a um sindicalismo o mais fragmentado possível – mas que têm uma organização superior a diversos países.
O ovo atirado pela população no dia do casamento da deputada estadual Maria Victoria deixou um mal cheiro no ar, talvez não tenham entendido o seu recado.
O resultado, a médio prazo, é imprevisível.
Alguém acha que vai ser tranquilo?
Edição: Ednubia Ghisi