Nesta quarta-feira (12) aconteceu na Catedral da Sé, no centro de São Paulo, a missa de 7º dia de Ricardo Silva Nascimento, carroceiro conhecido como "Negão", assassinado com dois tiros por um policial militar identificado como José Marques Madalho, na última quinta-feira (13), em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
A missa foi celebrada pelo Padre Julio Lancellotti, importante nome na luta pelos direitos da população em situação de rua na capital paulista, e reuniu familiares, amigos, manifestantes e ativistas como a atriz Letícia Sabatella.
O evento também foi marcado por um ato de denúncia contra a violência policial e o assassinato da população negra, pobre e periférica. Uma série de cartazes denunciavam a ação policial que, arbitrariamente, assassinou Nascimento e relatos de abusos sofridos por moradores de rua.
Durante a missa, o padre Julio Lancellotti contou que pessoas foram acordadas, às 7h da manhã desta quarta-feira (19), com jatos de água na Praça da Sé. A cidade de São Paulo registra baixas temperaturas desde o início da manhã. No momento, da ação realizada pela empresa contratada para fazer a limpeza das ruas, os termômetros apontavam 8º C.
"Que nenhuma vida seja destruída, que os moradores de rua sejam tratados com dignidade e respeitados. Que os catadores sejam tratados com dignidade e respeitados. Nessa Praça, nós fizemos a zeladoria urbana no domingo, e ainda hoje jogaram água fria em cima da população de rua. Tratam com crueldade travestis e trans pela cidade e isso tudo é inaceitável", disse Lancellotti.
Os cinco policiais militares que participaram da ação foram afastados das atividades nas ruas, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), e o 23º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (3º BPM/M) instaurou inquérito para investigar as circunstâncias da morte do carroceiro.
Para Mundano, ativista e integrante do movimento "Pimp my Carroça", que revitaliza os carros dos catadores da cidade paulista, afastar os cinco policias das ruas não é o bastante. "Eles assassinaram ele covardemente e só o afastamento não é o suficiente, a gente quer muito mais", disse.
"Estamos aqui para celebrar a paz, porque ele [Ricardo Nascimento] não é um caso isolado, na verdade, a população pobre e vulnerável morre todos os dias nas ruas", completou Mundano.
A atriz Letícia Sabatella, presente à missa, afirmou que "é muito triste presenciar o que aconteceu". "A sensibilidade e a delicadeza estão sendo muito oprimidas no nosso país. A gente têm uma luta constante para dar espaço para a delicadeza, para dar espaço para a fraternidade, para a solidariedade, e não para a desumanização", afirmou Sabatella.
Caso
Coletor de material reciclável, no dia do crime, Nascimento estava parado com um pedaço de pau em uma das mãos na esquina das ruas Mourato Coelho e Navarro de Andrade, às 18h, horário de grande fluxo de pessoas, quando o policial militar atirou em seu peito, após ter gritado para ele largar o objeto. O registro do Boletim de Ocorrência realizado pela PM alega que o militar atirou "para se defender", mas as testemunhas afirmam que o carroceiro não representava ameaça à vida do policial, o que também foi comprovado por imagens de câmeras de seguranças no local.
A versão dos moradores vizinhos da região explica que Ricardo havia entrado em uma pizzaria naquela esquina, pedido um pedaço de pizza e sido ofendido por uma funcionária. Por esse motivo, pegou o pedaço de pau e começou a gritar em frente ao restaurante, quando foi abordado pelo policial. Após os tiros, seu corpo foi levado pelos policiais no porta malas de uma viatura até o Hospital das Clínicas, onde, de acordo com hospital, veio a falecer, após cinco minutos do horário em que chegou.
Outras testemunhas alegam que a cena do crime foi alterada pelos policiais, que supostamente recolheram os cartuchos de balas. A própria retirada do corpo de Nascimento do local é ilegal, uma vez que um decreto de 2013 proíbe a PM de socorrer vítimas de confrontos policiais.
O também carroceiro, Jessé Rodrigo da Silva, amigo de Nascimento e que atribui ao catador assassinado um acolhimento fraterno quando decidiu morar na rua, aponta que "Ricardinho nunca mexeu com nada de ninguém". Versão corroborada por outros moradores da região. Eles contam que o catador sofria com distúrbios mentais, mas que nunca havia agredido ninguém.
Silva afirma ainda que Nascimento já havia lhe confidenciado estar sendo perseguido por policiais "Não sei o que estava acontecendo, ele já estava falando muito de polícia, que os policiais já vinham perturbando ele vinham jogando piadinha para ele, um conhecido lá na área, que já bateu em um monte de carroceiro", apontou.
O Conselho Participativo Municipal da prefeitura regional de Pinheiros, por meio de um manifesto, manifestou "repúdio diante da desastrosa ação Polícia Militar".
"Trata-se de mais um caso grave que atentou não apenas contra a vida da vítima, mas também contra atribuições legais e constitucionais da Polícia Militar, que deveria ter como princípio levar segurança aos cidadãos e cidadãs. O Conselho entende que é urgente o esclarecimento do caso, bem como as devidas punições aos culpados, basta de extermínio. Justiça já!", diz o manifesto.
Na própria quinta-feira, após o assassinato do carroceiro, seus amigos e moradores da região organizaram uma manifestação contra a violência policial, e decoraram sua antiga carroça com coroas e velas. Ela foi deixada no local e, ao longo do dia, foi enchida de flores.
Edição: José Eduardo Bernardes