Ameaças, tiros, roças queimadas e medo. Foram essas as palavras mais citadas pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais dos acampamentos Hugo Chavéz e Frei Henri, ambos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, à comitiva de parlamentares que integram a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e um representante da Ordem dos Advogados do estado, que estiveram nesta quinta-feira (20) nos dois locais. Um relatório contendo as denúncias será produzido e enviado à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) e ao Ministério Público (MPPA).
O primeiro acampamento visitado foi o Hugo Chavéz, localizado na fazenda Santa Teresa, na zona rural de Marabá. Debaixo do barracão, mulheres e homens narravam à comitiva como ocorreu o ataque de seguranças armados contra o acampamento no domingo (16/07), como narra o agricultor Rafael Pereira de Sousa, 44 anos.
“No sábado à noite, quando passou uma moto e parou na ponte - sempre passa uma moto -, a gente não sabia que ia acontecer aquilo ali. Mais ou menos uma 11h da noite, os dois pararam lá [na ponte], quando nós pensamos que não [iria ocorrer algo], o cabra atirou de lá pra cá [guarita do acampamento] e para nós não morrermos, nós corremos para dentro do acampamento”.
Perdas
No dia seguinte, logo pela manhã, segundo o agricultor, ele e outras pessoas foram até o local onde estava a moto e lá encontraram cartuchos de balas. Após os tiros, ainda no domingo (16), as roças do acampamento foram queimadas. Uma delas foi a do senhor Antônio Ribeiro dos Santos, 67 anos, que perdeu milho, jerimum, arroz, mandioca e fava. Esta última iria lhe render umas dez sacas. Agora, ele diz, ninguém mais vai para roça sozinho.
“Na hora que for para roça tem que convidar os outros para ir. [Estamos] com medo, as roças são no meio da mata, [que] eles [seguranças] entrem por dentro da mata e atirem na gente lá dentro da roça. Se está fazendo alguma coisa, despercebido, a bala canta”.
Na visita ao acampamento Hugo Chavéz o deputado estadual Carlos Bordalo (PT-PA), presidente da Comissão, falou aos acampados que, depois do golpe político dado pela base de Michel Temer (PMDB), os conflitos fundiários, já existentes, ficaram ainda mais intensos e apontou que para fazer o enfrentamento é necessário “juntar forças do parlamento com o movimento”.
Os sem-terra afirmaram ainda que os ataques são orquestrados pelo gerente da fazenda, Oswaldo Parente. Em entrevista a uma emissora local, ele afirmou não está envolvido com os incêndios.
Ainda segundo as lideranças, Policias Militares (PM) da Vila Sororó estariam prestando serviços ao fazendeiro Rafael Saldanha. Em nota, a Segup afirmou que “somente após inquérito policial poderá comprovar, ou não, o envolvimento de policiais militares em suposta segurança particular oferecida ao dono da fazenda Santa Tereza”.
A reportagem entrou em contato com o advogado Luis Gustavo, que representa o fazendeiro Rafael Saldanha. Em nota, o fazendeiro negou que alguém da fazenda tenha contribuído para a "ocorrência relatada pelos acampados" e que permanece à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos.
"Tiro no caminho"
Em situação parecida encontra-se o acampamento Frei Henri. Os sem-terra falaram à comitiva que temem a possibilidade de retaliação por parte dos fazendeiros da região, tão logo seja concluída a reintegração de posse ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, determinada judicialmente.
Só no mês de julho ocorreram dois episódios de conflito, o que gerou um o clima de tensão na região. Vivem no acampamento cerca de 121 famílias. Uma delas é de Cida Pereira, 33 anos. A agricultora estava com os quatro filhos na casa quando ouvi os tiros em um dos episódios.
“Foi aquele desespero: correndo, correndo e chamava socorro. Nessa hora desesperei, porque estava com filhos, família, sem ter para onde ir, de noite, nessa hora foi a que mais me desesperou. Aí fomos para a beira da pista, fiquei com as minhas crianças lá a noite, e após dois dias o coração foi acalmando, como eu fazia parte da militância eu tinha que controlar os filhos, o marido e mais outras mulheres que estavam com medo. O tiro batia nas paredes das casas, batia no barraco, em cima das palhas, tinha uma horta e não podia ir mais, porque o tiro estava no caminho”, relembra.
Primeiro assentamento
O acampamento Frei Henri será o primeiro assentamento rural de Curionópolis, cidade que foi fundada pelo major Curió, como ficou conhecido Sebastião Rodrigues de Moura, um dos militares responsáveis pela repressão à Guerrilha do Araguaia durante a ditadura militar, fato que marcou a população local.
A região do sudeste do Pará é marcada por conflitos fundiários e carrega um histórico de assassinatos e massacres contra lideranças rurais e sem-terra, como a que ocorreu em Eldorado dos Carajás, em 1997, e mais recentemente em Pau D’Arco.
As lideranças informaram a comitiva de terem visto na fazenda movimentação de retirada de materiais e acreditam que o fazendeiro esteja cumprindo a determinação judicial. Contudo, o primeiro prazo do acordo já venceu e uma nova data foi estabelecida: até o dia 15 de agosto a fazenda deve ser desocupada pelo fazendeiro.
A área reivindicada pelas famílias dos MST tem 375 hectares. Segundo laudos do Incra, foi comprovado que a fazenda é “improdutiva e grilada”. Na parcela onde os sem-terra estão acampados é possível verificar diversas roças espalhadas com plantações de mandioca, milho, cebolinha, alface e banana.
Ao final das duas visitas e depois de ter ouvido as denúncias das lideranças, o deputado estadual Bordalo afirmou que a preocupação com o acampamento Hugo Chavéz. A situação é “uma tragédia anunciada”, devido a “ação cada vez mais truculenta do gerente da fazenda, que ameaça constantemente os acampados”. Quanto ao acampamento Frei Henri, o parlamentar ressaltou ser “inadmissível” a situação na qual se encontra o processo e conclui: “por isso vamos sensibilizar o Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Justiça”.
Edição: Rafael Tatemoto