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Três semanas

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A maquiagem desmanchada, o copo de whisky marcado pelo batom à boca desbotado, a camisa polo denunciando a colônia de alfazema
A maquiagem desmanchada, o copo de whisky marcado pelo batom à boca desbotado, a camisa polo denunciando a colônia de alfazema - Reprodução
Beijou Marina como Marina nunca fora beijada e lhe falou de mapas astrais

Agora, mal alcançados trinta anos, Joana se via como uma daquelas personagens dos discos de Núbia Lafayette ou Dolores Duran que o pai guardava, como tesouro, nas portas trancadas do armário da sala. Rejeitada. A maquiagem desmanchada, o copo de whisky marcado pelo batom à boca desbotado, a camisa polo denunciando a colônia de alfazema; os olhos de Joana constrangiam a alegria do pisca-pisca lilás sobre o balcão do bar.

Era a sétima noite consecutiva em que ela se instalava entre sete ou oito doses de Teacher’s. “A última” sempre decretada por Seu Amaro, o garçom mais velho, autoridade indiscutível quanto às sedes da dor. Nas contas de Amaro, chegavam a três as rejeições de Joana. A primeira, claro, veio com o primeiro amor. Rute usava uns vestidinhos floridos, carregava, para lá e para cá, romances de Virginia Woolf e aparecia no bar às quintas, repleta de conversas sobre preferir Chico a Caetano.

Joana conheceu Rute numa noite de abril de 2012. Sentou-se à sua mesa, abriu garrafas de cerveja, anunciou solenemente que optava por Gilberto Gil e lançou, de cor e salteado, frases inteiras de “Mrs. Dalloway”, coincidentemente o Woolf favorito de Rute, que dormiu com Joana àquela noite, para nunca mais. “Veja bem, Joana, foi um episódio, você é incrível, mas eu estou atravessando uma fase difícil, adeus”. Joana escreveu cinco cartas e três poemas até que, depois de uma semana entregue às mesas de Seu Amaro, desistiu de Rute. A segunda rejeição, óbvio, veio com o segundo amor. Clara abordou Joana na porta do bar, pediu um Derby, ofereceu fogo. Era março de 2014.

Em dois meses, Joana e Clara alugaram uma quitinete na Boa Vista, próxima ao sebo do pai de Joana e à loja de móveis em que Clara trabalhava como vendedora. Em um ano de relacionamento, haviam lido juntas a poesia completa de Manoel de Barros e comprado um jabuti de estimação. Em dois anos, haviam financiado um carro de segunda mão e, nas férias de Clara, viajado pelo Sertão ao som da discografia de Gal. Em três anos, preparavam-se para dar entrada junto à Caixa Econômica num apartamento de dois quartos, quando Clara revelou que o desejo se desfizera. Dividiram os livros, desocuparam a quitinete, revenderam o carro.

O jabuti coube a Seu Amaro, quem serviu diariamente, durante uma semana, sete ou oito doses a Joana. A terceira rejeição nada teve a ver com o terceiro amor, apenas com o seu susto. Assim que Marina se apresentou a Joana, ouviu-se fogos de artifício no centro do Recife. Era São Pedro de 2017, mas Joana já pensava em destino. Beijou Marina como Marina nunca fora beijada e lhe falou de mapas astrais. Tal qual Marina, Seu Amaro se assustou, mas diferente dela, ele ficou. O velho garçom trouxe, de dentro do bar, a garrafa de Teacher`s.

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