Durante sua terceira viagem ao continente americano, em 1498, Cristóvão Colombo chegou à costa do que chamou de “paraíso terrenal”, em carta aos católicos espanhóis. Batizado pelos europeus mais tarde de Venezuela, ou a Pequena Veneza, impressionados pela arquitetura das palafitas nas quais viviam os indígenas ribeirinhos da região do lago de Maracaibo, no norte do país.
Outro espanhol teve a sorte de colonizar o vale onde se erigiu a cidade berço de Simón Bolívar, Francisco de Miranda, Ali Primeira, Hugo Chávez e tantos outros. Caracas leva no nome a resistência dos indígenas que habitavam os arredores do Guaraira Repano, o monte sagrado que divide a metrópole do mar do Caribe.
Segundo relatos históricos, os primeiros a chegar relataram um grande vale, cortado por um rio imponente, e coberto por borboletas amarelas. Elas, as borboletas, de vez em quando reaparecem, no que sobrou do monte Ávila, ainda sagrado, pela quantidade de oxigênio que oferece aos moradores da populosa capital da Venezuela.
No Rio Guaire já não se navega, mas suas margens viraram o cenário de uma verdadeira barbárie promovida com justificativas políticas. Grupos de oposição ao governo do presidente Nicolás Maduro, organizam há mais de três meses uma série de barricadas, conhecidas no país como ‘guarimbas’. Eles exigem a saída de Maduro do poder, ainda que o presidente tenha sido eleito em processo democrático e tenha mandato constitucional até o final de 2018.
As guarimbas realmente não seriam o problema, não fosse o nível da violência aplicada pelos grupos, corresponsáveis pelas mais de 100 mortes desde o começo das manifestações. Pelo simples fato de serem chavistas, 19 pessoas foram queimadas vivas diante de câmeras, em plena via pública. A Organização das Nações Unidas tipificou as ações como ‘crimes de ódio’, segundo informações do jornal mexicano La Jornada.
Os que antes pediam a saída de Maduro, agora são contra a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte, que terá como efeito, além da redação de uma nova carta magna, a renovação de todos os poderes constitucionais, inclusive a presidência da República.
Enquanto o lado leste de Caracas é tomado pelos grupos opositores, do outro lado, no oeste, a vida segue com relativa normalidade. “Eles não aceitam a constituinte porque sabem que não têm povo”, afirma o senhor Domingos, camponês de 84 anos, morador do bairro 23 de Enero, tradicional reduto do chavismo na capital venezuelana. “Por isso, a única maneira que eles têm de chegar ao poder, é através da violência”, completa.
Com a intensificação da violência, começa-se a perceber uma forte divisão dentro dos próprios setores de oposição. Pelas redes sociais, circulam vídeos de brigas entre declarados opositores ao governo de Maduro e os chamados ‘guarimbeiros’. É que a vida do lado leste nunca mais foi a mesma depois da série de destruições provocada pelos coletivos de direita.
No vídeo, uma mulher desfaz a barricada aos gritos, enquanto é acusada de chavista. E responde: “sempre fui contra este governo, mas dessa forma não está certo”.
No dia 21 de julho, a oposição anunciou a formação de uma espécie de governo paralelo, para o qual foi designada inclusive uma ‘nova Suprema Corte de Justiça’. Os efeitos do anúncio são inexistentes, já que a medida não está prevista na constituição do país, que eles mesmos dizem defender.
Um dos líderes da oposição de direita, o deputado Freddy Guevara, anunciou que não será permitida a realização da votação no domingo, 30 de julho. Enquanto isso, o governo da Venezuela anunciou que 232 mil militares farão parte do esquema de segurança para garantir que o pleito ocorra dentro da ‘normalidade’.
Nas ruas, uma forte tensão toma conta da população, apreensiva sobre a estratégia que tomarão os grupos opositores frente a realização da Assembleia Constituinte.
A Pequena Veneza talvez já não seja um paraíso na terra, no entanto, nela habita um bravo povo, que não se dobra frente às ameaças das potências ou à violência fascista.
Edição: Vanessa Martina Silva