Racismo estrutural

Justiça analisa pedido de 'habeas corpus' para Rafael Braga

Após progressão de regime, ele foi condenado por associação ao tráfico, tendo como única prova a palavra da polícia

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Rafael Braga é o único preso em decorrência das manifestações de junho de 2013
Rafael Braga é o único preso em decorrência das manifestações de junho de 2013 - Luiza Sansão/Ponte Jornalismo

“Rafael Braga, negro e sem privilégios, nem sequer vem tendo seu direito à defesa respeitado. A desigualdade de nosso país se reflete de maneira brutal na Justiça”, afirmou o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) sobre o caso do catador de material reciclável Rafael Braga. Jovem, negro e pobre, Rafael Braga é a única pessoa que segue presa por fatos ligados às manifestações de junho de 2013.

O dia 20 de junho foi marcado pela maior manifestação no Rio de Janeiro, do movimento que começou em razão do aumento das passagens de ônibus em São Paulo, e rapidamente se espalhou pelo país. Rafael não participou da manifestação; na época, disse que pouco sabia do que estava acontecendo na política nacional, vivia o dia a dia por sobrevivência. Entretanto, o jovem, então com 25 anos, foi detido quando chegava a um casarão abandonado onde dormia. A acusação: portar material explosivo. Essas substâncias eram uma garrafa de água sanitária e outra de Pinho Sol.

Na próxima terça-feira (1º), o caso do Rafael passa pela 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deve analisar um pedido de habeas corpus. Na época, a Defensoria Pública do estado entrou com um pedido de revogação da prisão preventiva, que foi negado pela 32ª Vara Criminal, que, no dia 27 de setembro daquele ano, o condenou a 5 anos e 10 meses de prisão. Desde então, o caso virou símbolo do movimento negro brasileiro.

Em outubro de 2014, a Justiça autorizou a progressão da prisão de Rafael Braga para o regime semiaberto, quando o jovem começou a trabalhar em um escritório de advocacia. Entretanto, em novembro, o jovem foi vítima de mais uma punição. O motivo: posou para uma foto, no caminho de seu trabalho, ao lado de uma pichação que dizia “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. Em razão de tal imagem, Rafael passou um mês na solitária e voltou ao regime fechado.

No dia 1º de dezembro de 2015, Rafael Braga obteve uma vitória, progredindo para o regime aberto, com tornozeleira eletrônica. Ele voltou a morar com a mãe, na comunidade Cascatinha, na Vila Cruzeiro, zona norte carioca. Entretanto, outro revés estava no horizonte do jovem. No dia 12 de janeiro de 2016, ele foi comprar pão a pedido da mãe, quando foi abordado por policiais da Unidade de polícia Pacificadora (UPP) da Vila Cruzeiro.

De acordo com sua defesa, ele foi espancado pelos policiais, que forjaram um flagrante de 0,6 gramas de maconha, 9,3 gramas de cocaína e um rojão. Mesmo com a pequena quantidade, no dia 20 de abril, ele foi condenado a 11 anos de prisão por tráfico, associação ao tráfico e colaboração com o tráfico. No julgamento, foi levado em conta apenas o depoimento dos próprios policiais, seguindo uma súmula vinculante (70) que aceita tal sistema para o julgamento. “Sublinho um ponto assustador de cada fase dessa história: Rafael não teve direito de defesa em nenhum momento”, afirmou o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ). “11 anos de prisão pelo terrível crime de ser negro”, definiu o ativista do movimento negro Douglas Belchior.

“Essa súmula não diz que foi criada para permitir que negros sejam condenados sem provas suficientes. Mas ela tem um impacto desproporcional sobre negros, porque a atuação de nossas polícias é infinitamente seletiva. Temos muitas razões para questionar esses depoimentos. Muitas vezes policiais plantam provas com objetivos específicos de criminalizar negros”, afirma o doutor em Direito Constitucional Comparado, Adilson Moreira, em entrevista ao Justificando.

A outra face da Justiça

“O filho de uma desembargadora foi inocentado com 130 quilos de maconha, mesmo tendo sido considerado de alta periculosidade pela Justiça Federal”, afirma o parlamentar Ivan Valente. Breno Fernando Solon Borges, filho da presidente do tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, desembargadora Tânia Garcia Freitas Borges, foi preso no dia 8 de abril portando, além da maconha, uma pistola nove milímetros e 199 munições de fuzil calibre 762, de uso exclusivo das forças armadas.

Rico, branco e filho de agente da Justiça, Breno não teve o mesmo destino de Rafael Braga. No dia 17 de julho, a defesa de Breno conseguiu uma decisão para que o jovem aguarde julgamento em liberdade, em razão de um laudo obtido por sua defesa alegando problemas psiquiátricos, síndrome de Boderline, no caso. O colega de sua mãe, desembargador Ruy Celso Barbosa Florence concedeu a liberdade para que Breno cumpra o tratamento sob responsabilidade e tutela de sua mãe.

A discrepância no tratamento da Justiça em relação aos dois casos ganhou as redes sociais que denunciaram o racismo no Judiciário. “Breno é considerado um bandido de alta periculosidade. Rafael Braga foi detido com uma garrafa de Pinho Sol e outra de desinfetante (…) Agora, advinha quem foi solto na madrugada e quem continua mofando na prisão”, provocou em nota o Psol Niterói.

Edição: RBA