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MST desenvolve ações de solidariedade ao povo venezuelano

Desde 2002, o MST iniciou forte debate interno sobre a criação de brigadas de solidariedade, que pudessem estabelecer

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MST apoia projeto de soberania alimentar da Venezuela
MST apoia projeto de soberania alimentar da Venezuela - Leonardo Fernandes

Desde 2005, os militantes do MST, organizados através da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho, vem desenvolvendo uma trabalho de formação e produção junto a camponeses e organizações populares da Venezuela. Em 2013, a brigada foi convidada pelo Ministério da Agricultura para desenvolver um projeto de produção de hortaliças na Unidade de Produção Social Agrícola (UPSA) Caquetíos, localizada no estado Lara, no oeste do país.

Com o passar dos anos, foi-se percebendo a necessidade de consolidar processos de formação que dessem a base técnica e política necessária para a superação dos obstáculos em relação à produção de alimentos. Depois de quase quatro anos de trabalho árduo de recuperação do espaço, a unidade oferece hoje uma série de cursos técnicos e de formação política, com capacidade para receber 60 pessoas.

“Para nós do MST, esse deve ser um espaço de articulação das organizações populares aqui da Venezuela, dos coletivos, conselhos comunais, comunas, movimentos sociais do campo, onde seja possível desenvolver o processo de formação e contribuir dessa forma com a organização popular. E nós compreendemos que nossa contribuição diz respeito ao método de se organizar, ou seja, métodos de formação, de organização e de produção. Dessa forma, os cursos estão pensados para a capacitação técnica e formação política, vinculados sempre com a realidade e as demandas das organizações locais”, afirma Célia Rodrigues, uma das responsáveis pelo plano de formação da escola.

A UPSA tem um total de 220 hectares. Atualmente, possui uma área irrigada de 30 hectares, onde já é produzida uma boa variedade de alimentos, como abóbora, pimentão, milho, mandioca, banana da terra, mamão, graviola, além das hortaliças que são a origem do projeto. “Realmente, o projeto principal dessa unidade é a produção de sementes, a partir do ponto de vista da agroecologia. Mas frente à conjuntura de guerra econômica que estamos vivendo nesse momento, tivemos que estabelecer duas frentes de trabalho: de produção para consumo, que é uma demanda urgente, e de produção de sementes, que é estratégica. E é nesse projeto, na produção das sementes, que radica a nossa soberania e a nossa independência alimentar”, explica Simón Uzcátegui, camponês venezuelano que trabalha na unidade.

Uzcátegui explica como a UPSA Caquetíos tem feito para driblar as dificuldades no acesso aos insumos necessários para a produção, como fertilizantes e inseticidas. “Temos nos apoiado na agroecologia para suprir a necessidade dos insumos que não podemos conseguir. Desenvolvemos aqui mesmo inseticidas naturais a partir de uma base feita de pimenta, limão e orégano. Hoje temos seis mil litros desse preparo, que na verdade é um preventivo. Também estamos desenvolvendo uma área de compostagem para a produção de adubo orgânico e esperamos que em dois ou três meses já estejamos produzindo cerca de uma tonelada desse adubo”.

Segundo Verena Vásquez, venezuelana e colaboradora das atividades de formação da UPSA Caquetíos, a conjuntura adversa pela qual atravessa o país, contraditoriamente, permite que a população perceba a necessidade de trabalhar a agricultura do país de modo integral e a longo prazo. “É um trabalho lento, mas que avança. O ritmo, claro, é determinado pela conjuntura. E essa mesma conjuntura é também um chamado de atenção sobre a importância da formação, sobre como é importante possibilitar a formação dos quadros políticos, para que o trabalho não seja somente uma execução tarefas, mas que saibam exatamente porque estão executando”.

Com apenas 27 anos de idade, Verena se somou ao esforço de promover a cultura agrícola na Venezuela. Um movimento que, segundo ela, ganha adesão da juventude, à medida que os resultados aparecem. “Pouco a pouco a juventude se dá conta de que é preciso buscar alternativas para desenvolver o trabalho e a produção no campo. Com isso, já conseguimos recuperar coisas como os bioinsumos, os inseticidas naturais. E quanto mais se trabalha nessa perspectiva, mais os jovens se dão conta de que é preciso tentar”.

A Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho

Desde 2002, o MST iniciou um forte debate interno sobre a criação de brigadas de solidariedade, que pudessem estabelecer uma relação política com as organizações populares e os governos progressistas dos mais diversos países, principalmente na América Latina. Hoje, existem brigadas espalhadas pelo mundo afora, como em países da África e na Palestina.

O primeiro grupo de internacionalistas Sem Terra chegou à Venezuela em 2005. O primeiro desafio foi a construção da Instituto Agroecológico Latino-americano Paulo Freire (Iala), que funciona no estado de Barinas, também no oeste do país, estado natal do ex-presidente Hugo Chávez.

De la pra cá, a Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho tem desenvolvido uma série de atividades, que vão desde a formação, à produção agrícola. “Hoje, temos temos grandes tarefas sendo desenvolvidas na Venezuela” explica Edson Bagnara. “Uma delas é a produção de sementes de grãos e hortaliças. No caso das hortaliças há um grupo de técnicos brasileiros do MST no estado de Mérida, que faz um trabalho com os camponeses da região para a produção de sementes de hortaliças. Desde 2012, temos feito intercâmbios para a produção de sementes de grãos com espaços de formação no Brasil. Há um grupo em uma área de produção de sementes de soja em Roraima, um outro grupo se estudou a produção de sementes de feijão no estado de Mato Grosso do Sul, além de um grupo de cinco pessoas que estão nesse momento na Bionatur, que é a nossa cooperativa de produção de sementes de hortaliças”.

Atualmente, nove pessoas compõem a Brigada Apolônio de Carvalho, que também é responsável pelo acompanhamento de 49 estudantes brasileiros que estudam medicina na Universidade Latino-americana de Medicina (Elam), localizada em Mariche, na capital venezuelana, além do desenvolvimento de articulações políticas e da comercialização solidária de alimentos produzidos pelas cooperativas do MST no Brasil.

Mas o processo de aprendizado e amadurecimento da militância é uma via de mão dupla. Célia Rodrigues, que vive na Venezuela há mais de 10 anos conta como o trabalho internacionalista tem possibilitado um grande salto qualitativo para os militantes, bem como para a organização Sem Terra. “A Brigada Apolônio de Carvalho tem significado muito para o crescimento e a compreensão do que consiste o princípio do internacionalismo. E para nós, submergirmos numa realidade tão complexa como é a realidade venezuelana nos possibilita um grande acúmulo e uma transformação profunda para os militantes que fazem parte desse processo, e também para o conjunto da organização”.

Do lado venezuelano, a resistência camponesa agradece o aporte dado pelos companheiros do MST. “Temos muito boa relação com os companheiros do MST. Estamos trabalhando de maneira coordenada nesse processo de transferência de conhecimento sobre a produção de sementes agroecológicas. Para mim, essa é uma relação integral sob o ponto de vista da produção, que finalmente é a nossa tarefa aqui”, afirma Simón Uzcátegui.

Para além da militância sobre a soberania alimentar, o intercâmbio cultural tem sido um grande marco do trabalho do MST na Venezuela. “Embora sejamos todos latino-americanos, temos culturas diferentes, mas é um processo muito rico poder compartilhar essas culturas. A maioria dos que estão aqui hoje são do sul da América do Sul, e nós estamos no norte do sul. Eles tomam mate, nós mascamos ‘chimón’ (pasta à base de tabaco). Depois de um tempo já começamos a ver alguns companheiros do Brasil mascando o ‘chimón’, enquanto eu já me acostumei a tomar o mate”. 

Edição: MST