População do semiárido tem a missão de preservar e multiplicar essas sementes que estão ameaçadas pelo agronegócio
O que há dentro de uma semente? Além de códigos de sabores e nutrientes, algumas guardam verdadeiros patrimônios genéticos e culturais. O manejo de sementes é como uma herança da sabedoria ancestral que pode ser contada desde o início da história da agricultura.
Mas parte desta riqueza milenar já desapareceu. E a que resta está ameaçada. Para termos uma ideia, ao longo de 12 mil anos da agricultura, mais de 7 mil espécies de alimentos foram cultivadas. Hoje, apenas 12 espécies formam a base da nossa alimentação.
Gabriel Fernandes é assessor técnico da organização ASPTA - Agricultura Familiar e Agroecologia. Ele fala sobre os riscos da uniformização.
“Por um lado, mostra um empobrecimento muito grande nossa dieta alimentar. E, por outro lado, uma dependência por poucas espécies. Se essas espécies tiverem algum problema ambiental, algum problema de praga ou doença, isso pode gerar uma catástrofe muito maior do ponto de vista de fome até, de não produção de alimentos."
Gabriel é uma das pessoas que alertam sobre os perigos do modelo do agronegócio, seja na hora de produzir, seja na hora de consumir os alimentos. Os riscos aparecem quando a diversidade de alimentos perde espaço para os monocultivos ou então a autonomia e sustentabilidade tradicional ou agroecológica são desconsideradas diante de venenos e transgenia.
Há divisão também entre as sementes. Por um lado, as sementes crioulas carregam informações sobre cada clima, solo e manejo específico. Por outro, os monopólios do setor agrícola empurram as chamadas transgênicas, híbridas ou melhoradas. Ou seja, as sementes crioulas, que são parte da natureza, estão sendo ameaçadas pelas sementes manipuladas em laboratórios, dependentes de químicos que contaminam todas as formas de vida.
No semiárido brasileiro, mulheres e homens mantém a importante missão de preservar e multiplicar as espécies crioulas. Uma dessas mulheres é Maria de Lourdes, da comunidade Poço Preto, no município de Poço Redondo, no estado de Sergipe.
"Os filhos da gente vai se envolvendo também. Porque muitas vezes os filhos vê o pessoal botando veneno e usando adubos comprados, aí a pessoa já leva o conhecimento pra eles. Ele já vai pegando aquele conhecimento. Aí ajuda pra eles, e ajuda pra gente. Vai passando a prática para os outros.”
Seja entre a família, seja entre a comunidade, a criatividade é uma aliada para que os guardiões e as guardiãs de sementes pelo semiárido permaneçam cultivando de forma autônoma e saudável. Por exemplo, em diferentes estados, as sementes crioulas ganharam batismos que misturam afetividade e afirmação política.
Na Paraíba, são as sementes da paixão. No Ceará, sementes da vida. No Piauí, sementes da fartura. Em Alagoas são as sementes da resistência. Em Sergipe, sementes da liberdade.
O casal Ivânia Cavalcanti e Manoel de Pentecoste, no Ceará, conheceu de perto muitas dessas espécies com diferentes batismos. O casal lutou e conquistou o direito à terra, mas percebeu que faltavam as sementes crioulas para fazer florescer uma agrofloresta no local. Resultado: pegaram as bicicletas e foram em busca de sementes crioulas por muitos e muitos quilômetros.
“No Nordeste, a cada passo que a gente dava, a gente descobria mais desaparecimento de sementes. Não só as sementes de fato das hortaliças, mas as sementes também de rebeldia, contra os transgênicos, contra o agronegócio, que trouxe todo esse pacote de morte."
Edição: Brasil de Fato Pernambuco