Uma das comunidades mais antigas de Belo Horizonte, na região Oeste da cidade, está sofrendo ameaças. Nesta quarta (2), parte do território que, segundo o Incra, deveria ser garantido aos quilombolas, foi ocupado por um grupo aparentemente armado, a mando de uma pessoa que diz ser proprietária do local. “Arrombaram lá e estão à frente do portão. Fomos orientados a não nos aproximar porque eles estão com uma bolsa à frente do corpo. Então, parece que essas pessoas estão armadas”, conta a moradora Miriam Aprigio.
Na segunda-feira (31), a comunidade já havia chamado a Polícia Militar para registrar ocorrência por tentativa de arrombamento e invasão de uma parte do território, na avenida Silva Lobo, bairro Grajaú. Segundo os quilombolas, a PM se recusou a atender o pedido. Porém, horas depois, policiais compareceram à comunidade. Alguns moradores foram conduzidos à delegacia, acusados de terem invadido o lugar onde já vivem há mais de um século.
“Eles nos convidaram à delegacia. Chegando lá, o representante do Ministério Público nos orientou a vir para casa, pois os invasores não éramos nós. Quarenta minutos depois, apareceu uma tropa dizendo que todo mundo estava preso, que não teríamos apresentado o documento de que éramos donos”, conta a quilombola Daniela Guimarães.
Na terça-feira (1º), a comunidade fez uma reunião no local ocupado, contando com a participação de uma ampla rede de apoiadores, entre representantes do Ministério Público, movimentos populares, advogados e antropólogos. Foi encaminhada a criação de uma frente jurídica, com profissionais do direito, e uma frente política para resolver o problema.
Antes de BH surgir
A história dos Luízes no local começou em 1895, quando o casal Maria Luiza e Vitalino Nunes Moreira foi viver em terras da antiga Fazenda Calafate, às margens do córrego Piteiras, onde hoje fica o bairro Grajaú. “O meu avô, Vitalino, era filho do dono da fazenda, Nicolau Nunes Moreira. A minha avó, Maria Luiza, era filha de uma escrava, chamada Ana Apolinária. Eles se casaram e ela veio morar aqui”, conta a senhora Maria Luzia Sidônio, de 84 anos, uma das moradoras mais antigas da comunidade.
Os quilombolas vivem no local conhecido como Vila Maria Luiza. Uma de suas marcas é a religiosidade popular, com destaque para a Festa de Sant’Ana, que acontece no dia 26 de julho, com missa conga frequentada por moradores da região e parentes que moram em Nova Lima. A comunidade é certificada pela Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.
Perda de território
Em 2008, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) propôs uma área que, por direito, deve ser garantida à comunidade, por meio de medida administrativa da União. A área é inferior ao território que eles possuíam quando ali chegaram. Dentro dela, encontra-se o terreno onde a polícia tentou realizar o despejo.
Os Luízes relatam que, desde 1966, com a abertura da avenida Silva Lobo, enfrentam sucessivas perdas de território para invasores. Vários empreendimentos e moradias chegaram a ser construídos no local, com autorização do poder público municipal, mas sem que a comunidade tenha sido indenizada. Antes com uma área de 18 mil metros quadrados, o quilombolas foram confinados a um terreno de menos de 6 mil metros.
Segundo os Luízes, durante os conflitos pela terra, ao longo dos anos, a comunidade tem sofrido ameaças e agressões racistas, vindas de invasores e até mesmo agentes públicos. “É muito difícil para eles acreditarem que negros sejam donos disso tudo aqui. O racismo fala muito alto nesses casos. É racismo na delegacia, policial agredindo verbalmente”, critica Daniela Guimarães.
Edição: Joana Tavares