De costas para os policiais militares, os moradores da comunidade Terra Prometida, em Belém (PA), fizeram um bloqueio humano na entrada que dá acesso a ocupação. Como forma de resistir a reintegração de posse, que ocorreu nesta quarta-feira (2), homens e mulheres cantavam o hino do Brasil e rezavam para que o pior não acontecesse. O terreno pertence a Prefeitura Municipal de Belém e fica na avenida Bernardo Sayão com a travessa Quintino Bocaiúva, no bairro do Jurunas.
A área pertencia a União, mas logo depois foi cedida ao estado, que a passou para o município. Em 2016 as famílias começaram a construir suas casas e ocupar o terreno. O ajudante de pedreiro Martins Oliveira dos Santos, 34 anos, foi um dos que viram no terreno uma oportunidade de ter um lugar para morar. Na casa de madeira que pintou de azul moram cinco pessoas, todos vieram de Benevides, cidade que integra a Região Metropolitana de Belém, distante 25 quilômetros da capital.
Desempregado, ele não sabe para onde irá depois que sair da ocupação. “É um sonho pra gente ter nossa casa própria, eu vim de Benevides pra cá com a minha família, sou uma pessoa humilde e desejo que a gente fique aqui”, disse.
Assim que o efetivo da Polícia Militar chegou ao local, nas primeiras horas da manhã, lideranças comunitárias e advogados da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) tentaram negociar com o Comando da Polícia. Na tentativa de suspender a ação, Jorge André Silva, integrante do Movimento Povo Sem Medo, resumiu a conversa.
“A proposta deles é que as pessoas abandonem simplesmente suas casas e o que nós queremos é que a Prefeitura de Belém cumpra seu dever, que é viabilizar moradia digna para essas pessoas”, disse.
Sem acordo, o oficial de Justiça leu o mandado de reintegração de posse aos moradores e, dispostos a resistir, permaneceram bloqueando a entrada. O clima de tensão aumentou. Como se preparando para o que poderia acontecer, os moradores começaram a rezar. Ao mesmo tempo, bombas de gás lacrimogêneo foram jogadas para dispersá-los, até que o cordão humano não resistiu. A medida que os policias avançavam as pessoas corriam em direção à comunidade.
Para onde você vai Maria?
O Brasil de Fato acompanhou a operação. Já dentro da comunidade, algumas pessoas estavam trancadas em suas casas, outras tentavam carregar o que podiam dos seus objetos. Idosos e crianças foram retiradas da área dias antes, mas ainda era possível ver mães carregando seus filhos e filhas.
A medida que a PM vistoriava o local, moradores permaneciam estáticos sem saber o que iriam fazer depois que saíssem dali. Foi o caso de Aizon Tavares da Costa Oliveira. Na parede de sua casa estavam as bandeiras do Brasil e do time de futebol Paysandu. Sentado em uma cadeira em frente de casa, ele disse resignado: “acabou com um sonho de vida”.
Raimunda Paz, 41 anos, também não sabia o que iria fazer depois que saísse da ocupação. Mais conhecida como Maria, ela pediu à “patroa” para faltar ao trabalho para que pudesse resolver onde iria deixar os pais, que foram retirados às presas da comunidade. Ela trabalha, como diz, “em casa de família”. O pai é hipertenso e a mãe tem 82 anos. Ao perguntar para onde iria, Maria se desesperou.
“Vou ficar ali [aponta para rua] no outro lado, eu não tenho para onde ir”, enxuga o rosto. Aos policiais, ela olhou indignada, e desabafou: “Eu pago os meus impostos e é desse jeito!”.
O terreno onde as famílias viviam apresentam condições precárias, sem saneamento básico e abastecimento de água. Grande parte das casas eram de madeira, contendo um ou dois cômodos.
Nota
De acordo com a Prefeitura, autora da ação de reintegração de posse, o terreno será destinado para o projeto habitacional Viver Belém, do Programa Minha Casa, Minha Vida. A área faz parte do Programa de Saneamento de Belém, com as obras de macrodrenagem da Estrada Nova, que beneficiará com saneamento básico e urbanização, segundo a autarquia, vários bairros da capital.
Sheila Corrêa, diretora geral da Secretaria Municipal de Habitação, afirma que as famílias da comunidade Terra Prometida serão cadastradas no programa habitacional.
Segundo nota publicada da Secretária de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) assistentes sociais da Fundação Papa João XXIII (Funpapa) e servidores da Defesa Civil municipal estavam no local para orientar as famílias sobre abrigos disponíveis para recebê-los.
Ainda em nota, a Segup informou que 234 agentes de segurança, entre policiais militares, civis, bombeiros, guardas municipais e agentes de trânsito participaram da ação “em apoio cumprimento de mandado de reintegração de posse”.
Edição: Simone Freire