Pauta prioritária da Câmara Federal nesta e na próxima semana, a proposta de reforma política que vem sendo debatida no Congresso Nacional tem recebido fortes críticas de segmentos populares e alguns parlamentares. Um dos pontos mais polêmicos é a criação de um fundo público para custeio das campanhas eleitorais.
Segundo propõe o texto legislativo, o fundo seria irrigado com recursos da União e fiscalizado pela Justiça Eleitoral. A verba deve ser distribuída pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aos diretórios nacionais dos partidos, tomando como referência o número de eleitores. Para o pleito de 2018, por exemplo, é previsto um montante de R$ 3,5 bilhões.
Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a proposta estaria marcada por imperfeições que podem tornar ainda mais agudo o problema da concentração de poder nas mãos dos grupos que tradicionalmente hegemonizam o território da política. É o que diz, por exemplo, o advogado Luciano Santos, especialista em Direito Eleitoral e membro da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
“Os partidos vão receber esses recursos e não está detalhada a forma como isso será feito. A distribuição do dinheiro tende a não ser equitativa porque, por exemplo, a proposta é obedecer ao critério do tempo de televisão. Isso beneficia os grandes partidos, mantendo o sistema atual”, aponta Santos, acrescentando que o modelo também dificulta a fiscalização e a transparência nas operações.
Além dos aspectos mencionados, o fatiamento dos recursos do fundo eleitoral se basearia no número de votos obtidos na eleição de 2014. Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a regra é problemática. Ele destaca a relação entre a composição atual do Congresso e o financiamento privado de campanhas, que vigorou até o último pleito.
“Aquele dinheiro produziu uma distribuição de votos, que foi fundamental para que os partidos tivessem alcançado tais votos. Dar recursos públicos agora com base no resultado daquela eleição significa perpetuar o impacto do dinheiro das empresas, que agora está proibido”, opina o deputado, um dos críticos da medida.
“Acredito que o ideal seria que qualquer reforma mais substancial fosse deixada para a próxima legislatura e que agora fossem feitas apenas pequenas correções”, defende Molon.
Candidatos
O advogado Luciano Santos afirma que outro aspecto de grande relevância é o sistema de escolha dos candidatos. No âmbito da comissão legislativa que debate a reforma, parte dos deputados defende que a lista fechada (ou “pré-ordenada”) seja o mecanismo de seleção de deputados e vereadores.
Esse é um dos pontos do relatório apresentado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) junto ao colegiado. O modelo consiste em uma lista organizada previamente, resultante da escolha coletiva dos nomes através de prévias partidárias.
“A própria imprensa acabou dando uma condição muito negativa ao nome ‘lista fechada’, como se a proposta fosse proteger candidatos que tivessem praticado algum malfeito, mas é exatamente o contrário. Nela você tem total transparência dos candidatos e da ordem em que eles estão”, afirma Luciano Santos.
Ela acrescenta que a proposta seria melhor que o modelo atual. “Se um deles tem, por exemplo, ficha suja, o eleitor vai rejeitar a lista toda e prejudicar o partido todo, enquanto hoje a votação se dá numa lista aberta em que você não tem condição de saber a posição em que aquele candidato se encontra”, compara.
No entanto, para os membros da Plataforma, a proposta colocada na comissão legislativa necessitaria de um aperfeiçoamento no sentido de contemplar a paridade de gênero. Para Santos, essa seria uma espécie de condição para a instituição do financiamento público de campanha.
“Se aprovarem esse fundo da forma como alguns deputados estão querendo fazer, vamos manter as distorções que existem hoje”, adverte o advogado.
Além da criação de um fundo público e da alteração do sistema de seleção dos parlamentares, a reforma política em discussão traz propostas como: fim das coligações partidárias e criação de uma federação dos partidos; fim da reeleição para cargos no Executivo; mandato de cinco anos para prefeitos, governadores e presidente da República; cronograma de eleição diferente para Executivo e Legislativo; e possibilidade de assinaturas eletrônicas (via internet) para projetos de iniciativa popular.
Legitimidade
Para além dos aspectos técnicos que circundam o debate sobre a reforma política, alguns grupos têm questionado a legitimidade do atual Congresso para promover alterações no sistema político, tendo em vista os sequenciais escândalos de corrupção em que estão envolvidos vários parlamentares.
“É um Congresso suspeito. Centenas de deputados e senadores figuram em investigações de enorme verossimilhança, como a lista da Odebrecht, mostrando que eles recebem propina, mas também de outros grupos econômicos, como a JBS. Isso sem falar no sistema financeiro, cujas ligações [com eles] ainda não começaram a aparecer”, destaca Antônio Martins, integrante do conselho internacional do Fórum Social Mundial.
Para Martins, a reforma que vem sendo proposta no Legislativo deixa de lado a soberania popular para priorizar, mais uma vez, os interesses particulares dos tradicionais personagens políticos.
“Ela deixa de fora uma série de reivindicações que têm surgido na sociedade de forma explícita ou na forma de um mal-estar em relação à política. Ela não toma nenhuma medida, por exemplo, para restabelecer mecanismos de democracia direta nem para controlar os representantes”, aponta Martins.
Além disso, o conselheiro classifica a proposta em discussão como “contrarreforma”. “É um acinte chamá-la de reforma política porque ela não dá conta de nenhuma das reivindicações ou das angústias da população diante do esvaziamento da democracia que estamos vivendo, por isso ela não atende à soberania popular”, finaliza.
Edição: Simone Freire