Entrevista

“Temos um Congresso opressor em relação às leis fundiárias”, critica Álvaro Tukano

Militante indígena fala importância do estudo para os jovens, avanços nos governos do PT e sobre a mídia alternativa

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Álvaro Fernandes Sampaio, militante histórico do movimento indígena
Álvaro Fernandes Sampaio, militante histórico do movimento indígena - Marcelo Santos Braga

Militante histórico do movimento indígena, Alvaro Tukano é atualmente diretor do Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília (DF). É considerado um dos cinco intelectuais indígenas que na década de 1970 fizeram o movimento acontecer. Combativo, sempre está no furacão das lutas que envolvem os povos originários.

Álvaro Fernandes Sampaio é da tribo dos Tukanos, do Alto do Rio Negro (AM). Conversamos com ele durante a XI Aldeia Multiétnica, na Chapada dos Veadeiros (GO). Na entrevista, ele fala sobre a importância da entrada dos jovens nas universidades e os excelentes profissionais que estão se formando nas mais diversas áreas. Ainda que crítico ao governo do Partido dos Trabalhadores (PT), ressalta alguns avanços pontuais durante as gestões da legenda. Para ele, a mídia alternativa é fundamental para dar voz aos que estão nas frentes de lutas indígenas.

Como você vê a postura do governo em relação às pautas indígenas?

Quando um governo tem tudo para resolver a questão das minorias e isso não acontece, o problema aumenta. A Funai hoje está muita desgastada e nós temos hoje um congresso opressor em relação às leis fundiárias, então ficamos totalmente contra esse tipo de governo. É preciso tecer aliados, como nesse encontro. O governo, o Estado Brasileiro, só será forte quando tivermos mais consciência. É muito importante defendermos as leis que garantem os direitos das populações indígenas e barrarmos, no Congresso Nacional, os projetos de mineração e outros projetos de desenvolvimento que ameaçam nossos povos.  Então nós não confiamos, e precisamos de mais diálogos entre nós. Esse encontro traz essa luz para fortalecer o povo brasileiro, que tem muita luta pela frente e é importante falar isso aos jovens. Tudo que acontece hoje no país, a bandeira hoje está entregue nas mãos de novas lideranças.

Como você vê essa transição de geração dentro do movimento indígena em relação à juventude? Não só na luta, mas também na conservação do jeito indígena de ser?

É muito importante. Aconteceu também no governo do PT o avanço na educação, então temos muitos universitários hoje no Brasil que aprenderam as técnicas, trazem informações das comunidades e dentro das universidades são produtores de ciências. Existem no Brasil diversos povos que têm línguas próprias, medicina própria, territórios próprios, então tem novas lideranças qualificadas para traduzir os nossos pensamentos para a sociedade brasileira. Melhoramos bastante nesse sentido.

Qual a importância dos conhecimentos nas universidades?

São boas, porque temos muitos médicos de verdade, bons advogados, antropólogos, escritores, e isso não acontecia antes do governo do PT. Hoje queremos ampliar esse quadro de indígenas que estão na universidade brasileira, é muito bom para nós porque podemos dar proteção aos povos indígenas aplicando as leis. Temos que ter mais participação de índios nos assentos do governo e estar mais preparados para as próximas eleições para não cometermos os erros que vemos hoje. Teremos participação forte nas próximas eleições para cuidar desses assuntos que nos interessam, nas Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais, e estamos cientes que é necessário fazer isso.

Em nível municipal as lideranças indígenas têm tido uma inserção cada vez maior, mas nunca houve um presidente da Funai e não tem ninguém no Congresso Nacional.

Hoje temos o general Franklimberg Ribeiro presidente [interino] da Funai, ele entende de forças armadas, mas é o presidente de um órgão do governo que trata dos indígenas. Temos a Azilene Kaingang, que é diretora do departamento de assuntos indígenas lá, mas percebemos que, pelo fato deles serem índios, os burocratas mais antigos não querem obedecê-los como chefes. Mas é assim mesmo, é uma boa esperança. O Juruna foi o único deputado federal indígena que o Brasil teve até aqui, e precisamos ocupar o espaço no Congresso para dar resposta nivelada. É por lá que acontecem desgraças às populações indígenas e outras minorias, então vamos torcer para que possamos ter candidatos indígenas para chegar ao Congresso Nacional. Isso tudo depende da consciência política do povo brasileiro para defender os povos indígenas.

Qual a expectativa com esse novo governo e configuração política que está em processo no cenário nacional?

Esse governo não tem nenhuma representatividade, mas não deixa de ser governo brasileiro. Se ele puder fazer alguma coisa, que faça. Não adianta entrarmos nos detalhes de briga, porque o PT e o PMDB governaram o país. Não fui eu quem escolhi o Temer como vice presidente, então não adianta reclamar quem é pior ou melhor. Os dois para a questão indígena foram e são péssimos.

Vocês batem muito na tecla da união, mas existem várias organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Há muita desavença dentro do movimento indígena?

O movimento indígena hoje está forte, é o único que consegue sensibilizar a opinião pública a nível nacional e internacional. O movimento ocupou, por exemplo, a plenária do Congresso muitas vezes. Fomos recebidos a bala, mas isso não nos amedronta. Pelo contrário, só nos fortalece. O movimento indígena está forte, são pessoas preparadas. Principalmente quem comanda as lutas hoje no país é as mulheres indígenas, que antes não eram vistas. São mulheres que enfrentam a porrada e convocam o seu povo, essas meninas estão de parabéns.

A questão indígena faz parte do movimento social brasileiro para defender a dignidade humana, os territórios, as tradições, as línguas, por isso o encontro na Aldeia Multiétnica é importante e fundamental para que esse espaço sirva de exemplo para muitas organizações sociais, que de vez em quando ficam presas às suas ideologias. Acho que a gente tem que defender a vida de um modo geral, e esperamos que você como jornalista tenha a facilidade de mandar essa mensagem nas escolas, sindicatos e outros setores. Assim teremos uma nova sociedade brasileira.

Como você avalia a abordagem da mídia sobre vocês indígenas?

A mídia estatal é mais para fazer o choro do governo, mas a mídia alternativa é uma arma do povo brasileiro. Já a mídia comercial, como O Globo, existe para fazer o que ela quer. Gosta de derrubar outras pessoas, mas a mídia alternativa é uma força popular. Um instrumento de comunicação popular, como a Rádio Yandê, que vai ao mundo inteiro e é vista pelas pessoas politizadas. Nosso povo tem que estar politizado, esse barulho todo que estamos escutando chama-se revolução popular de consciência. Não brigaremos com arco e flecha, e sim com culturas, pensamentos, abraços e festas. É disso que o Brasil precisa.

Edição: ANA