A substituição da presidente Dilma, democraticamente eleita, por Temer, no ano passado, foi avalizada pelo mercado financeiro como necessária para "colocar em ordem as contas públicas". Isso porque o aparecimento do primeiro déficit fiscal em 2014 na proporção de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) desde a chegada dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores ascendeu o alerta dos rentistas, cada vez mais defensores de uma profunda reversão na política econômica de inclusão social.
A recessão econômica iniciada em 2015 pelo ministro Levy, que havia sido indicado por banqueiros, reorientou a política econômica a ser focada no ajuste das contas públicas, ainda sem comprometer consideravelmente o gasto social. Mesmo assim, o ano terminou acumulando novo déficit público de 1,9% do PIB (3,2 vezes maior que o do ano de 2014).
A troca de Levy por Barbosa no ministério da Fazenda não se mostrou suficiente para reverter a expectativa de repetição de outro déficit público em 2016. Com isso, a reclamação por parte da torcida do rentismo cresceu de tom e terminou pavimentando a imposição de uma nova equipe econômica assentada nos sonhos do mercado financeiro através da arbitrária ascensão de Temer.
Não se tratou simplesmente de mais uma indicação dos banqueiros, mas a própria gestão da economia por operadores dos bancos, seja no ministério da Fazenda, seja no próprio Banco Central. Aliás, interessante ressaltar que o Banco Central tem por função a regulação e o monitoramento do sistema financeiro nacional, agora presidido por alguém dos bancos.
Algo perfeito para exemplificar o que a sabedoria de Raimundo Faoro já havia identificado no seu clássico livro: Os donos do poder. Isto é, a presença de corporações burocráticas atuando em conformidade com interesses privados no interior do Estado patrimonialista em ação.
Com a equipe econômica dos sonhos do rentismo, o programa neoliberal se tornou pleno no ano de 2016. Em nome do equilíbrio fiscal, a política de austeridade nas contas públicas atuou como uma espécie de motosserra giratória a cortar gastos públicos não financeiros e a onerar tributariamente os mais pobres. Seu objetivo: evitar possível trauma na continuidade das transferências orçamentárias ao pagamento dos juros da dívida pública.
Mas o resultado esperado do receituário neoliberal, conforme antecipado pela própria propaganda ideológica, mostrou ser, no mínimo, enganosa. Ao invés do equilíbrio fiscal almejado, o déficit nas contas públicas, não apenas se manteve como tornou a subir, atingindo o equivalente a 2,5% do PIB em 2016 (32% superior ao de 2015 e 4,2 vezes maior ao de 2014).
Mais uma vez, o argumento alegado da “herança maligna” dos governos PTistas foi utilizada para justificar a permanência do desajuste fiscal, assim como apostar que em 2017, junto com a aprovação das reformas, o rumo do equilíbrio nas contas públicas estaria assegurado. Por conta disso, a aposta neoliberal foi redobrada para ano de 2017.
Neste início do segundo semestre, contudo, a equipe econômica de Temer veio a público informar que o desequilíbrio fiscal segue acelerado. Em função disso, solicitou ao Congresso Nacional autorização para uma nova meta fiscal, com o adicional de 20 bilhões de reais, o que equivaleria a 2,6% do PIB, embora previsões apontem para um déficit nas contas públicas próximo de 3% do PIB em 2017.
Apesar de cair por terra o mito neoliberal do equilíbrio das contas públicas, a motosserra dos cortes no gasto público não financeiro persegue ativa. Para tanto, a “reforma da previdência social” tem sido apresentada como fundamental para retirar os pobres do orçamento público e asfixiar ao limite o Estado para garantir os recursos aos rentistas frente à elevação na dívida pública.
Tudo isso indica a preferência pelo caminho sem saída tradicional. Não por acaso, as propostas de reforma política a serem aprovadas até setembro de 2017 apontam para a prorrogação de mandatos, mais do que a validação de um processo eleitoral limpo e democrático.
(*) Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
Edição: RBA