No último ano, o programa Mais Médicos perdeu mais de 2 mil profissionais, e o número de municípios atendidos baixou de 4.058 para menos de 3.800, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Esses dados foram apresentados para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a senadora Gleisi Hoffmann por cerca de 40 profissionais da saúde, integrantes do programa Mais Médicos, que denunciaram um potencial desmonte do programa pelo governo golpista de Michel Temer (PMDB).
A reunião aconteceu na última quinta-feira (24) em Recife (PE), e fez parte das atividades da Caravana Lula pelo Brasil, pela qual o ex-presidente tem rodado o Nordeste desde o dia 16 de agosto, procurando, justamente, entender os impactos das políticas públicas instituídas durante os governos do PT.
O Mais Médicos foi uma política instituída em 2013 pelo governo da então presidenta Dilma Rousseff, que ampliou extensamente a assistência na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Por meio do programa, mais de 18 mil médicos passaram a atender a população de 4.058 municípios, cobrindo um total de 72,8% das cidades brasileiras, além de 34 distritos sanitários indígenas (DSEIs). Com o desmonte no último ano, cerca de 7,7 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas pelo programa, segundo o CNES. Outras medidas que vêm sendo denunciadas pelos médicos do programa incluem os atrasos nos salários e o fim da bonificação nas provas de residência médica, dada aos médicos brasileiros que atuavam no programa.
Antes do programa, cinco estados brasileiros possuíam menos de um médico para cada mil pessoas, enquanto 700 municípios não tinham acesso a nenhum médico na atenção básica. Amplamente criticado por setores conservadores da sociedade, principalmente por ter trazido centenas de médicos cubanos para atuar em regiões de difícil acesso, o programa chegou a beneficiar 64 milhões de brasileiros, tendo uma aprovação de 90% dos usuários, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Minas Gerais.
Apesar do sucesso do “Mais Médicos” durante seus três primeiros anos de existência, pouco antes do afastamento de Dilma o programa já sofria ameaças. Na primeira semana de maio de 2016 o ainda não empossado Ministro da Saúde do governo Temer, Ricardo Barros (PP-PR), anunciou o compromisso de afastar os estrangeiros do programa. Já em abril deste ano, o Ministro do Planejamento Dyogo de Oliveira publicou uma modificação na lei orçamentária, tirando a obrigatoriedade da destinação de R$3,3 bilhões para custeio do “Mais Médicos”. A medida tornou a despesa discricionária, ou seja, sujeita a um contingenciamento de recursos.
Segundo Eulampio Dantas, supervisor do programa Mais Médicos na cidade paraibana de Patos, os cortes já estão acontecendo. “O desmonte já vem começando, através de cortes no orçamento, diminuição de números de profissionais do programa. Tentou-se até cancelar o contrato com os cubanos, porém, quando viram que a população ia se revoltar, refizeram o contrato. É uma batalha, porque é uma política que deu certo, que a população carente que precisa de saúde aprova”, disse.
Desmonte
O atual número de médicos integrantes do programa baixou para menos de 16 mil no último ano, e os municípios atendidos para menos de 3.800, o que significa que 7,7 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas pelo programa, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Outras medidas que vêm sendo denunciadas pelos médicos do programa incluem os atrasos nos salários e o fim da bonificação nas provas de residência médica, dada aos médicos brasileiros que atuavam no programa.
Dantas é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e se juntou à Caravana Lula pelo Brasil na Paraíba, como um dos médicos responsáveis pela saúde do ex-presidente Lula e dos demais presentes no trajeto, em um sistema de revezamento voluntário proposto pelo movimento. Segundo Dantas, o estado paraibano conta com 182 médicos do programa Mais Médicos. “Hoje há médicos em comunidades onde nunca existiu, onde o médico ia uma vez por mês ou menos. A população sente esse impacto e esse é um dos principais fatores que faz com que esse governo não tenha realizado o desmonte por completo”, afirmou.
A dona de casa Jerlene Alves da Silva foi uma das beneficiárias do programa no Rio Grande do Norte. Residente de Currais Novos, no sertão do estado, Jerlene assistiu ao ato de recepção de Lula na cidade e conta que foi tratada por uma médica cubana do programa Mais Médicos em julho deste ano. “Eu estava com uma infecção urinária, ela passou uns exames, medicações ótimas, e deu certo, sarou. Eu gostei de ser atendida por ela. Ela já trabalhava aqui há um tempo, mas ela não está mais nos postos daqui, só sei que ela foi embora”, contou.
Atenção Básica
Um dos principais objetivos do Mais Médicos é evitar que problemas de saúde que poderiam ser facilmente tratados sejam motivos de hospitalização e complicações. “Isso faz com que o hospital diminua a sobrecarga, com que muitas doenças evitáveis não cheguem aos hospitais”, explicou Dantas.
É o que também afirma o médico da Família e Comunidade e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Aristóteles Cardona, que esteve presente na reunião de médicos com Lula. “As estatísticas apontam que na atenção primária a gente dá conta de resolver de 80% a 85% dos problemas da população. Desde as pessoas que têm uma diarréia ou gripe, sem necessidade de um acompanhamento, até situações mais complexas, que a gente segue acompanhando", disse.
Cardona também é supervisor do programa, e atua na zona rural da cidade de Petrolina (PE). Ele afirma que Pernambuco foi um dos estados mais beneficiados pelo programa, com 953 médicos enviados. “Boa parte do estado, não só no sertão, sofria muito com a falta de médicos nas unidades de saúde da família. Logo de cara, com a chegada de centenas de médico, houve um impacto muito positivo. Até hoje o que mantém o programa da forma como a gente conhece é a aprovação da população”.
Cuidado
O tratamento mais cuidadoso e próximo dos pacientes também é um dos diferenciais do programa, como contou a médica Roberta Correia de Miranda, que também participou da reunião com Lula. “É a possibilidade de você ter acesso à saúde, doutor em casa, alguém que cuide de toda a sua família, te chamando pelo nome, te olhando no olho e perguntando o que você sente”, disse.
Essa diferença no tratamento dos pacientes é confirmada pela missionária Maria Aurieta Duarte Xenofonte, que trabalha desde 1974 com a população do bairro periférico de Brasília Teimosa, no Recife (PE). Aurieta acompanhou toda a estruturação do bairro, realizada após uma visita em 2003 de Lula à região, antes formada por centenas de palafitas e marcada pela falta de saneamento básico. Ela conta que a vinda do Mais Médicos completou essa transformação.
“Muitos médicos chegaram aqui e foi muito importante, porque eles tratam as pessoas com um carinho e amor profundo. Aqui tem um médico que veio do Rio de Janeiro e faz parte do projeto. No interior também tem sido um sucesso, porque percebemos que eles vão para lugares que a maioria dos médicos brasileiros não vão”, disse.
Já a dona de casa Daniele Gomes, também moradora de Brasília Teimosa, explicitou, em seu relato, o início da diminuição de médicos no programa. “A gente sempre era bem atendido, sempre tinha médicos e era muito bom. Mas nesse último período estamos sem médicos. O atendimento aqui está sem pediatra e ginecologista. Tem medicamento, mas não como antes”, denunciou.
Em relação à diminuição de medicamentos, a médica Roberta Correia de Miranda denunciou o fim do Farmácia Popular, programa que oferece medicamentos gratuitos ou com até 90% de desconto, anunciado por Temer em julho deste ano. “Eu prescrevo medicações que a farmácia não tem, preciso fazer curativos e não tenho gaze, preciso vacinar crianças e não tenho seringas. Então é preciso saber que o Mais Médicos veio para repensar a saúde, mas ainda precisamos de muito apoio. A presença de Lula aqui hoje foi muito importante para reafirmar essas políticas públicas que precisam ser reavivadas”, opinou.
Ao final da reunião da Caravana com os profissionais do Mais Médicos, que também contou com falas de apoio de diversos prefeitos de cidades pernambucanas, o ex-presidente Lula e a senadora Gleisi Hoffmann assumiram o comprometimento do Partido dos Trabalhadores com a luta pela manutenção do programa. Em sua fala, Lula destacou que “reconhece o que os médicos fizeram pelo Brasil”, e defendeu uma maior aproximação na relação entre médico e paciente.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque