Apesar de atender uma demanda histórica da categoria, reconhecendo o trabalho doméstico como atividade profissional com os devidos direitos trabalhistas, a Lei Complementar nº 150, de junho de 2015, está longe de ser cumprida. A Justiça do Trabalho não tem fiscais e, mesmo que tivesse, não poderia entrar nas residências para fiscalizar o cumprimento da norma. O resultado é uma lei que custa a sair do papel, ainda mais em tempos de crise, como a atual, e o crescente número de queixas de trabalhadores domésticos na Justiça.
“Há total falta de fiscalização do trabalho. Os auditores não podem entrar em residência particular para verificar o que está sendo feito. Existe a lei, mas não tem ninguém do governo para correr atrás, para fiscalizar”, disse a doutoranda em estudos de gênero da Escola de Economia de Londres, Louisa Acciari, que participou do seminário Lutas e Desafios das Trabalhadoras Domésticas no Mundo do Trabalho. O evento, realizado nesta segunda-feira (4), em São Paulo, promovido pelas secretarias da Mulher Trabalhadora e da Igualdade Racial da CUT-SP e CUT nacional.
Por isso, segundo ela, o único recurso que a trabalhadora tem é a Justiça. Tanto que o número de queixas tem aumentado nos dois últimos anos, passando de 7.953 para 9.928 apenas em São Paulo.
“A lei permite acordos, mas em muitos lugares não há representação patronal, o que impede negociações. A garantia desses direitos, que não são efetivados de maneira nacional, acaba sendo uma questão individual. Cada uma tem de ir ao tribunal, cada uma tem de buscar um advogado para defender seus direitos”, afirmou.
Na avaliação de Louise, isso tem um impacto negativo porque torna-se uma questão técnico-jurídica e esvazia o debate político sobre o valor do trabalho e a igualdade de direitos. “Um juiz do trabalho tem de decidir onde está o direito ou não. É óbvio que isso tem de ser feito, mas há a dificuldades para entrar na Justiça, principalmente quando há valores afetivos envolvidos. É o caso de profissional que cuida de uma pessoa idosa, de criança. Há o temor de prejudicar a família, por exemplo.”
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem o maior número de trabalhadoras domésticas no mundo: São mais de 7 milhões, sendo que mais de 90% são mulheres, e mais de 60%, negras.
Desigualdade
A estatística é ainda mais preocupante pela relação com o aprofundamento da desigualdade social, uma vez que a categoria é a que mais cresce em tempos de crise, inversamente proporcional aos salários.
A doutoranda em Economia pela Unicamp e educadora da Escola Sindical São Paulo, Juliane Furno, destacou que a crise econômica interfere na vida dessas trabalhadoras. "Sempre que a economia vai bem, o número de trabalhadoras domésticas cai no país, e o contrário também é verdadeiro, dando a esse trabalho uma característica de precarização", disse.
“O salário da trabalhadora doméstica cresceu mais do que a média do salário mínimo entre 2003 e 2014. Isso porque o país vivia um crescimento econômico e o número de empregadas estava caindo. Já no segundo semestre de 2015, com a crise se agravando e o desemprego aumentando, as mulheres tiveram que retornar para esse mercado."
O trabalho doméstico, que foi reconhecido pela Lei Complementar 150/2015, é uma conquista de lutas que se intensificaram a partir da década de 1920. E o fato de o Brasil ter o maior contingente de trabalhadores domésticos de todo o mundo remonta aos 300 anos de escravidão.
Juliane lembrou que abolição da escravatura não foi acompanhada por políticas públicas para inserir os negros e negras no mercado formal de trabalho. "A grande maioria deles continuou trabalhando nas mesmas casas, para as mesmas famílias, com as mesmas tarefas domésticas."
Participaram também do seminário a doutoranda em História Glaucia Fraccaro, a professora da USP Helena Hirata, a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista Pereira, o secretário nacional de Organização Política Sindical da Contracs, Alexandre da Conceição, a diretora de projetos da Fundação Friedrich Ebert, Waldeli Melleiro, a secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, a secretária de Combate ao Racismo da CUT-SP, Rosana Aparecida da Silva, e a secretária de formação da CUT SP e coordenadora da Escola Sindical São Paulo, Telma Aparecida Andrade Victor.
Edição: RBA